"A arte de Noé"

Poucos livros inspiraram tanto a cultura ocidental quanto a Bíblia Sagrada. O Cinema, a Literatura, o Teatro, as artes e a própria Ciência foram todos influenciados por esta obra ao mesmo tempo amada e odiada. Especificamente em relação à pintura, os relatos bíblicos povoaram abundantemente o imaginário dos artistas (prestigiado ou desconhecido). Um exemplo diz respeito à cena do Gênesis, que descreve uma catástrofe denominada “O Dilúvio de Noé". Esta narrativa exerceu uma influência tão poderosa na mentalidade coletiva da cultura dos povos do Ocidente, que durante séculos (e ainda hoje) é tomada como exemplo corroborador da “ciência”, o chamado “Catastrostrofismo”.

A seguir, selecionei algumas pinturas, todas relacionadas a este episódio bíblico. Note-se as peculiaridades de cada uma delas, os seus detalhes e as singularidades imaginativas de seus autores. Sem dúvida, uma maravilha!

É isso!

O ateísmo extremado de Richard Dawkins

Neste vídeo (veja abaixo transcrição em espanhol publicada no blog "Los Fallos de Darwin") referente a uma conferência de 7 de outubro de 2009, na Califórnia (EUA), o ideólogo inglês Richard Dawkins faz uma comparação que beira ao patológico. Segundo ele, as pessoas que negam a evolução agem de maneira parecida com aqueles que negam o Holocausto nazista.

Será que Dawkins acha mesmo que alguém vai abraçar o darwinismo por simples receio de ser comparado a um negacionista do Holocausto?



"Imagina que eres un maestro de historia más reciente, y tus lecciones sobre la Europa del siglo XX son boicoteadas, abucheadas o interrumpidas por grupos negacionistas del Holocausto bien organizados, bien financiados y políticamente musculosos. A diferencia de mis hipotéticos negacionistas de Roma, los negacionistas del Holocausto realmente existen.

Son vociferantes, superficialmente plausibles, y expertos en parecer cultos. Son apoyados por al menos el presidente de un Estado poderoso en la actualidad, e incluyen al menos un obispo de la Iglesia Católica. Imagine que, como profesor de historia europea, que se enfrenta continuamente con peticiones beligerantes de "enseñar la controversia", y para dar el "mismo tiempo" a la "teoría alternativa" de que el Holocausto nunca sucedió, pero que fue inventado por un grupo de embusteros sionistas. Intelectuales relativistas de moda insisten en que no existe una verdad absoluta: si el Holocausto ocurrió es una cuestión de creencia personal, todos los puntos de vista son igualmente válidos y deben ser igualmente "Respetados".

La difícil situación de muchos profesores de ciencias hoy en día no es menos grave. Cuando tratan de exponer el principio fundamental que guía a la biología, cuando honestamente colocan el mundo de los seres vivos en su contexto histórico (lo que significa evolución); cuando exploran y explican la naturaleza de la vida misma, son acosados y bloqueados, molestados y agredidos, incluso amenazados con la pérdida de sus puestos de trabajo. Como mínimo pierden su tiempo cada una de esas veces. Es probable que reciban cartas amenazantes de los padres, y que tengan que soportar las sonrisas sarcásticas y los brazos cruzados de los niños con el cerebro lavado.

Se les suministran libros de texto aprobados por el estado con la palabra "evolución" borrada de forma sistemática, o sustituida por "cambiar con el tiempo". Antes estábamos tentados de reírnos de este tipo de cosas como si fueran un peculiar fenómeno americano. Los maestros en Gran Bretaña y Europa se enfrentan ahora a los mismos problemas, en parte debido a la influencia estadounidense, pero mucho más a causa de la creciente presencia islámica en las aulas - instigado por el compromiso oficial de "multiculturalismo" y por el terror de ser considerado racista.
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É isso!

Influências de Cesare Lombroso no Brasil

A “Seção Lombroso” foi então inaugurada por volta do ano de 1914, dando conta desta necessidade estabelecida em lei (Maciel, 1999). Ela era um projeto importante em termos assistenciais na ótica de Juliano Moreira. Segundo este (Moreira, 1905, p. 54)

Só ficará completa a missão do Estado no que diz respeito à Assistência Alienados do Distrito Federal, no dia em que fizer construir pavilhões especiais para mentecaptos que praticarem crime e para criminosos que ensandecerem, ou nos asilos comuns ou nas proximidades das prisões.

No início do seu funcionamento, a maioria dos seus pacientes eram indivíduos acusados de homicídio, embora também houvesse muitos homens que não tinham cometido crime, ou que simplesmente eram contraventores ou não se adequavam a “moral social vigente”, como “estelionatários”, “vadios”, “alcoolistas” e “pederastas” (Maciel, 1999, p.151). Indivíduos que engrossaram as primeiras levas de pacientes do M.J. Segundo Maciel (1999, p.148), Heitor Carrilho começou sua atividade clínica na “Seção Lombroso” em 1916, de quando é datado o “Livro nº1 de Observação dos Pacientes” da “Seção Lombroso” e do Manicômio Judiciário, parte do acervo do Setor de Documentação Médico do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.

No ano de 1919 a situação da “Lombroso” já não era das mais estáveis, não dando conta dos seus objetivos (Maciel, 1999, p.146 e 152). Até que bem no início do ano de 1920 uma grave revolta de pacientes ocorreu no H.N.A. Sobre o seu início, Lima Barreto nos legou um relato muito interessante. Tendo um indivíduo subido ao telhado do hospício
“(...)

Começou a destelhar o edifício (...) ele o fazia na presença da cidade toda, pois na rua se havia aglomerado uma multidão considerável (...) Num dado momento, trepado e de pé na cumeira, falando, os braços levantados para o céu fumacento, esse pobre homem surgiu-me como a
imagem da revolta...” (Barreto, 1986, p.19)

Depois deste evento, uma revolta. Um grupo de indivíduos da “Seção Lombroso” sob a liderança deste mesmo homem, R. D. E., queimou e empilhou colchões, e em furor jogaram objetos e agrediram guardas, enfermeiros, acadêmicos e médicos, além de ameaçarem o administrador e sua família que residiam nas dependências do hospício. A proporção tomada pelo incidente pode ser apreendida com o contingente direcionado para sua repressão: polícia, bombeiros, praças do exército, delegado e Chefe de Polícia, com a presença do próprio Ministro da Justiça (Engel, 2001 a, pp. 295-296; Maciel, 1999, pp.113-118; Carrara, 1998, p.193). Mais uma vez temos o relato - desta vez mais atemorizado - deLima Barreto:

Dia 27/01/1920. Revolta dos presos na casa-forte [provavelmente se refere à Seção Lombroso]. A revolta é capitaneada pelo D.E, o tal que subiu no telhado. Estão chegando bombeiros e forças de polícia. Os revoltosos armaram-se de trancas. A rua encheu-se; há um movimento de carros, automóveis com personagens, e força de polícia e bombeiros. Já tenho medo de ficar aqui” (Barreto, 1986, p.34)

Estes eventos foram também descritos por Heitor Carrilho (Carrilho, 1920). O saldo foram muitos estragos e depredações, além de 11 guardas feridos. Foram convocados para repressão ao movimento vinte praças da Brigada Policial e 45 soldados dos bombeiros (idem). Muitos indivíduos fugiram. O incidente teve muita repercussão na imprensa, que criticou bastante a administração de Juliano Moreira, que via-se mais uma vez a voltas com ataques da imprensa (Maciel, 1999, pp.116-117). Para o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, a administração de Moreira era culpada pela superlotação, a falta de guardas e enfermeiros, as péssimas condições de vida na instituição e ausência de tratamentos (idem). Meses depois ocorreu outra revolta, mas bem menor, e foi ela que provavelmente “apressou a votação de verba extra necessária para a construção do manicômio criminal” (idem, p.122-123). Poucos meses depois, em abril, foi lançada a pedra fundamental do Manicômio Judiciário.

Esta instituição representou uma significativa vitória médico-psiquiátrica (Antunes, 1999, p. 115), demarcando o domínio psiquiátrico dos âmbitos da perícia e da custódia (Carrara, 1998, p.220). Deveria ser destinado, nas palavras de Carrilho (Carrilho, 1920), em grande parte, aos “anômalos morais perigosos”, objetivando a “defesa social”, repressão e a “profilaxia criminal”. Porém, sua gênese decorre, em grande medida, de categorias diagnósticas ambíguas como as de “degenerado”, que analisaremos ao longo desta dissertação. Como aponta Carrara:

“Foi a partir do momento em que, nos tribunais, alguns criminosos passaram a ser classificados como degenerados que os meios socialmente instituídos para o controle e repressão aos transgressores viram-se paralisados, comprometidos em seu funcionamento (...) Casos mais ou
menos escandalosos vão surgindo motivando psiquiatras e magistrados a lutar em prol da construção de um asilo criminal” (Carrara, 1998, pp.191 e 197).

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Fonte
:
ALLISTER ANDREW TEIXEIRA DIAS: “DRAMAS DE SANGUE” NA CIDADE: PSIQUIATRIA, LOUCURA E ASSASSINATO NO RIO DE JANEIRO - 1901-1921”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Orientadora: Dr (a) Dilene Raimundo do Nascimento). Rio de Janeiro, 2010.

Nota
:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

Darwin no Vestibular da USP (Fuvest)

Conforme havia escrito na série “Darwin nos Vestibulares”, temas relacionados à evolução são constantes nos melhores exames do país. Prova disso são as questão de Biologia a seguir, extraídas do vestibular da USP (Fuvest), realizado hoje em São Paulo:
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1. Os resultados de uma pesquisa realizada na USP revelam que a araucária, o pinheiro brasileiro, produz substâncias antioxidantes e fotoprotetoras. Uma das autoras do estudo considera que, possivelmente, essa característica esteja relacionada ao ambiente com intensa radiação UV em que a espécie surgiu há cerca de 200 milhões de anos. Com base na Teoria Sintética
da Evolução, é correto afirmar que
a) essas substâncias surgiram para evitar que as plantas sofressem a ação danosa da radiação UV.
b) a radiação UV provocou mutações nas folhas da araucária, que passaram a produzir tais substâncias.
c) a radiação UV atuou como fator de seleção, de maneira que plantas sem tais substâncias eram mais suscetíveis à morte.
d) a exposição constante à radiação UV induziu os indivíduos de araucária a produzirem substâncias de defesa contra tal radiação.
e) a araucária é um exemplo típico da finalidade da evolução, que é a produção de indivíduos mais fortes e adaptados a qualquer ambiente.

2.
Na evolução dos vegetais, o grão de pólen surgiu em plantas que correspondem, atualmente, ao grupo dos pinheiros. Isso significa que o grão de pólen surgiu antes
a) dos frutos e depois das flores.
b) das flores e depois dos frutos.
c) das sementes e depois das flores.
d) das sementes e antes dos frutos.
e) das flores e antes dos frutos.

3. A
passagem do modo de vida caçador-coletor para um modo de vida mais sedentário aconteceu há cerca de 12 mil anos e foi causada pela domesticação de animais e de plantas. Com base nessa informação, é correto afirmar que
a) no início da domesticação, a espécie humana descobriu como induzir mutações nas plantas para obter sementes com características desejáveis.
b) a produção de excedentes agrícolas permitiu a paulatina regressão do trabalho, ou seja, a diminuição das intervenções humanas no meio natural com fins produtivos.
c) a grande concentração de plantas cultivadas em um único lugar aumentou a quantidade de alimentos, o que prejudicou o processo de sedentarização das populações.
d) no processo de domesticação, sementes com características desejáveis pelos seres humanos foram escolhidas para serem plantadas, num processo de seleção artificial.
e) a chamada Revolução Neolítica permitiu o desenvolvimento da agricultura e do pastoreio, garantindo a eliminação progressiva de relações sociais escravistas.

4.
Considere os filos de animais viventes e as seguintes características relacionadas à conquista do ambiente terrestre:
I. Transporte de gases feito exclusivamente pelo sistema respiratório, independente do sistema circulatório.
II. Respiração cutânea e pulmonar no mesmo indivíduo.
III. Ovos com casca calcárea resistente e porosa.
A sequência que reproduz corretamente a ordem evolutiva de surgimento de tais características é:
a) I, II e III. - b) II, I e III. - c) II, III e I. - d) III, I e II. - e) III, II e I.

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A história da ciência e seus paradigmas

"A ciência, como é conhecida nos dias de hoje, teve seu início no século XVII, quando a Europa, após um longo período de guerras religiosas, estabeleceu um novo modo de vida, marcado pelos grandes descobrimentos marítimos, pela exploração comercial e pelo desenvolvimento industrial (BRONOWSKI, 1990, p. 85).

Quando a idéia de natureza foi posta em foco pelo pensamento, tornou-se tema de intensa e prolongada meditação e constituiu-se como matéria de estudo, as ciências naturais. No entanto, a concepção de natureza sofreu profundas transformações ao longo da história.

Nos primórdios da civilização, quando surgiu a primeira estrutura de epistemologia, como forma de conhecimento do mundo, o sobrenatural e o mágico eram aceitos como estatuto de verdade (COLLINGWOOD, 1976, p. 7). A realidade era encantada e sobrenatural e tinha o mito (Mythos) como forma de conhecimento. Sua narrativa era inspirada pelos deuses ou por forças naturais que intervinham e instalavam a ordem no mundo.

O desenvolvimento da concepção do pensamento científico teve seu início na Grécia Antiga, entre os séculos VIII a VI a.C., quando os gregos reconheceram que a razão, a alma racional, podia ser usada como instrumento de conhecimento do mundo e das coisas. Tal fato é denominado por Vasconcellos (2003, p. 53) como “a descoberta do logos”. Esse salto do mito para o logos aconteceu com os pré-socráticos, mais de quatro mil anos depois do aparecimento das primeiras civilizações. Era o início da filosofia da natureza, que considerava as criaturas terrestres dotadas de vida e inteligência e representantes de uma organização poderosa de vitalidade e racionalidade.

Os gregos encontraram uma ordem implícita na natureza. Vasconcellos cita o grego Thales (624-562 a.C.) como o responsável pelo primeiro rompimento com o mito como forma de conhecimento humano e introdutor da filosofia da natureza. Ainda considerando o pensamento grego, foi Sócrates (469-399 a.C.) quem introduziu o argumento e a demonstração como formas de justificar proposições e afirmações. Em seguida, tanto Platão (427-347 a.C.) quanto Aristóteles (348-322 a.C.) enfatizaram a necessidade de instalar um conhecimento verdadeiro mediado pela racionalidade, ou seja, um conhecimento discursivo e demonstrativo.

A razão foi substituída por outra forma de racionalidade, a lógica. Segundo Vasconcellos (2003, p. 56), “... a racionalidade lógica teve seu padrão fixado por Aristóteles, foi posteriormente desenvolvida pelos pós-aristotélicos e pelos escolásticos medievais e vem prevalecendo por mais de dois mil anos, tanto na ciência, quanto na filosofia.”

A Idade Média (450-1400 d.C.) foi caracterizada pela busca da revelação, que tinha em Deus a fonte da verdade. Apresentava uma visão orgânica do mundo, em que os processos da natureza eram interdependentes dos fenômenos materiais e espirituais e, subordinados às necessidades do indivíduo e da comunidade. Nesse período ficaram incertas as fronteiras entre a filosofia e a teologia, pois acima das verdades da razão estava a fé, a busca da revelação e da salvação da alma após a morte (teocentrismo).

De acordo com Moraes (1997, p. 33), “para o homem medieval, a realidade era sagrada por ter sido estabelecida por Deus e cabia ao homem contemplar e compreender a harmonia existente no universo”. O período medieval foi marcado pela repressão e pouco se inovou em termos de conhecimento científico.

A separação entre a ciência e a filosofia ocorreu a partir do século XVII d.C., com a Idade Moderna. A idéia de natureza aceita pela ciência medieval começou a sofrer mudanças radicais, resultando em um novo pensamento científico, que era uma antítese da visão grega, pois negava que o mundo da natureza fosse um organismo e o considerava desprovido de inteligência e vida, portanto incapaz de ordenar seus próprios movimentos de maneira racional. Os movimentos que manifestavam eram impostos pelo exterior, e sua regularidade, pelas “leis da natureza”. O mundo era uma máquina. A visão do mundo e os sistemas de valores que estão na base da cultura foram formulados nesse período.

Esse período trouxe dúvidas e desconfianças, pois pregava um modelo de ciência preocupado em posicionar o homem como senhor do mundo e buscava fornecer-lhe meios de superar a ignorância para torná-lo possuidor da natureza, exercendo o controle sobre ela. Moraes (1997, p. 33) descreve a mudança do pensamento medieval para o moderno como conseqüência de uma revolução científica: “a visão de um mundo orgânico, vivo, espiritual e encantado passou a ser substituída pela noção de um mundo-máquina, composto de objetos distintos, em virtude das mudanças revolucionárias na física e na astronomia, ocorridas depois de Copérnico, Galileu e Newton.”

Quando Nicolau Copérnico (1473-1543) afirmou, em seu livro Revoluções dos Corpos Celestes, que o planeta não passava de um pequeno satélite do Sol, o mundo medieval, cuja filosofia repousava na vizinhança entre a Terra e Deus, perdeu as suas certezas. Suas idéias determinaram uma revolução sobre o futuro da fé. Pela magia de sua matemática transformou um universo cujo centro era a Terra e o homem, num calidoscópio de estrelas no qual o planeta não passava de momentânea precipitação de uma nebulosa, e Deus, que, estava tão perto, se afastou para o fundo do espaço sem limites. O céu místico torna-se o céu físico da meteorologia (WILL, 1954, p. 30).

Mas a revolução no mundo das idéias não parou, pois Copérnico foi seguido por Galileu Galilei (1562-1642), que introduziu a descrição matemática da natureza: o pensamento podia ser perfeitamente lógico e enquadrado no bom-senso, sem que necessariamente fosse verdadeiro. Esses dois cientistas abalaram as verdades reveladas pela fé do homem medieval, o que provocou mudanças na física, na matemática e na astronomia. Autores como Bronowski (1990), Capra (1996), Moraes (1997) e Santos (1999) referem-se a essa mudança radical do pensamento medieval para o pensamento moderno como “Revolução Científica”.

Simultaneamente, na Inglaterra Francis Bacon (1561-1626) propunha o método indutivo como nova forma de estudar os fenômenos naturais, o qual passou a ser considerado como o método da ciência moderna. O filósofo inglês, considerado o precursor da filosofia empírico-positivista, propunha que a meta da ciência era o melhoramento da vida do homem na Terra, e essa meta seria alcançada por meio da coleta de fatos com observação organizada e construção de teorias a partir daí (MORAES, 1997, p. 35). Em suma, a busca da verdade não poderia ficar na dependência do raciocínio dedutivo, que era puramente mental. Era o fim da lógica de Aristóteles e o início da experimentação e da observação como métodos para chegar à verdadeira compreensão dos fenômenos que dariam ao homem o poder sobre a natureza. Para Will (1954, p. 31), “a história do intelecto europeu não passa do espírito baconiano contra a concepção medieval do mundo”.

O francês René Descartes (1596-1650), pensador, físico e matemático, é considerado figura central na origem da ciência moderna, segundo Vasconcellos (2003, p. 59), “foi Descartes quem enfatizou que o método da filosofia seria a especulação ou o método reflexivo, enquanto o da ciência (das ciências empírico-positivas) seria a experimentação ou o método matemático”.

Ele buscava o fundamento do empreendimento científico no raciocínio dedutivo, que tinha na razão a base segura para a compreensão do homem e da natureza. De um modo diferente de Bacon, acreditava no ideal de Arquimedes de uma hierarquia dedutiva de proposições. O pensamento cartesiano levou os biólogos a adotarem, até hoje, uma mecânica de relojoeiro como modelo de processos vitais.

O pensamento cartesiano seguia um método analítico, propondo a decomposição do pensamento e dos problemas em partes até chegar a um grau de simplicidade suficiente para que a resposta estivesse evidente. Para esse método, a dúvida era o ponto fundamental, e o raciocínio, seu instrumento básico. Conforme Moraes (1997, p. 36), a única coisa sobre a qual Descartes não tinha dúvida era a sua existência como pensador, o que o levou a afirmar “Penso, logo existo”. Filósofos como Bacon e Descartes testemunham uma ruptura nas verdades até então aceitas, possibilitando uma nova visão de mundo com uma só forma de conhecimento, uma ciência moderna e o surgimento de um novo paradigma.

Foi o inglês Isaac Newton (1642-1727) que como filósofo e matemático deu realidade à visão do mundo como máquina perfeita, ao desenvolver uma completa formulação matemática da concepção mecanicista da natureza (MORAES, 1997, p. 37). Como Descartes, a influência de Newton é tão significativa na revolução científica que o paradigma da ciência é também conhecido como paradigma newtoniano-cartesiano do mundo como máquina. Sua importância na formação do pensamento moderno é descrita por Capra (1996, p. 35):

O arcabouço conceitual criado por Galileu e Descartes – o mundo como uma máquina perfeita governada por leis matemáticas exatas – foi completado de maneira triunfal por Isaac Newton, cuja grande síntese, a mecânica newtoniana, foi a realização que coroou a ciência do século XVII.

Nesse sentido, Vasconcellos (2003, p. 63) considera que “com Newton, a ciência moderna, que vinha se edificando em torno da matemática, passa a se edificar em torno das ciências da natureza: a física empírica torna-se o modelo de ciência, o paradigma.”

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É isso!

Fonte:
JOSYANNE MILLÉO MARTELLI: "OS DESAFIOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ENSINO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS FRENTE ÀS MUDANÇAS DE PARADIGMAS". (Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob a orientação da Profa. Dra. Marilda Aparecida Behrens). CURITIBA 2004.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

O processo evolutivo em Lamarck

"Na passagem do século XVIII para o XIX, conceber um mundo em mudança estava na ordem do dia. Não que antes os indivíduos não reconhecessem as mudanças que ocorreram no mundo, certamente reconheciam; no entanto, o que se pensava até então, pela força da influência de uma concepção essencialista, era que o universo, como criação da sabedoria divina, só poderia ser perfeito e imutável. Neste contexto, a mudança era compreendida enquanto um desvio de uma ordem natural e essencialmente perfeita. Mudança geralmente tinha o sentido contrário ao da ordem natural, promovida pela degenerescência ou degradação. O que pode ser notado no fato de que “nos séculos XVII e XVIII, a alteração biológica era usualmente designada pelo termo "degradação”.

Contudo, a mudança estava lá. As condições mudam e o mundo se transforma. Mas essa constatação, reforçada com a proliferação de evidências fósseis, ao invés de suscitar a admissão de um processo evolutivo, geralmente tinha o efeito contrário de sustentar determinadas posições que concebiam a eliminação das espécies como intervenções de forças sobrenaturais, justificadas por relatos bíblicos como o dilúvio e Sodoma e Gomorra, ou o resultado de catástrofes naturais, com a geração espontânea de uma nova flora e fauna. Nesse sentido, as mudanças biológicas produziriam desvios, aberrações, monstruosidades, que não se mantinham e eram eliminadas ou por intervenção divina ou por mudanças drásticas no ambiente, e não por novas formas modificadas de vida.

As várias teorias sobre as transformações que ocorreram e estavam ocorrendo no mundo natural, e também social, não eram propriamente formulações no sentido evolucionista de transformação gradual de uma espécie para outra. As possíveis teorias, com viés evolucionista, formuladas anteriormente ao início do século XIX, podem ser agrupadas em duas categorias, que segundo Ernst Mayr, não corresponderiam propriamente a teorias evolucionistas, mas sim a teorias sobre origens e teorias sobre desdobramentos de potencialidades imanentes:

Os ditos precursores ou tinham teorias sobre ‘origens’, ou desdobramentos de potencialidades imanentes do tipo. Uma verdadeira teoria da evolução deve postular a transformação de uma espécie para outra, e isso ao infinito. Tais idéias não se encontram nos escritos de Maillet, Robinet, Diderot e outros, que supostamente influenciaram Lamarck. Diversos antecessores de Lamarck, como por exemplo Maupertius, postularam uma origem espontânea de novas espécies. Lineu, nos seus últimos escritos, mostrava-se muito impressionado com a possibilidade de novas espécies, por hibridação.”

É com a obra do naturalista francês Jean Baptiste Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744-1829), que se tem de fato uma primeira formulação onde se percebe os contornos de uma teoria consistente e influente sobre o processo evolutivo. Com Lamarck, e sua teoria da evolução, muito embora não tenha usado o termo em suas obras, tem-se o início da substituição da visão de uma natureza estática por uma natureza dinâmica. Com esta substituição, a mudança, antes considerada uma degradação de um tipo perfeito, com Lamarck foi compreendida enquanto variações em um processo que permitiria o surgimento da diferenciação na espécie.

Não se tem no pensamento de Lamarck o que representaria a suposição de uma ancestralidade comum, para ele, ao contrário, existiram vários pontos de geração da vida. As formas de vida mais elevadas corresponderiam a um processo de muitas gerações provenientes do surgimento de formas simples. Restava somente descrever o mecanismo pelo qual variações, transmitidas às novas gerações, permitiram ao longo do tempo a estabilização das diferenças em características que possibilitariam a classificação taxionômica da espécie em uma linha filética.

Antes de Lamarck, as respostas dadas ao problema da extinção vinham de concepções que admitiam a intervenção do Criador ao longo da história, como na narrativa bíblica do dilúvio, ou de teorias catastrofistas, como as do paleontólogo francês George Cuvier (1769-1832).50 Ao introduzir a idéia de uma seqüência temporal e perceber a presença de um processo de mudança ao longo do tempo, ficou cada vez mais claro para Lamarck que o problema da extinção, na realidade, não existia, pois para ele os animais não haviam se extinguido de fato, mas sim se transformado nas formas atuais.

Na percepção do fator tempo, é que parece residir o ponto de inflexão que coloca as teorias de Lamarck no rol das teorias evolucionistas. Enquanto que os naturalistas anteriores, presos aos rigores da teologia natural, só conseguiam conceber as espécies organizadas de modo fixo em uma escala natural do seres que, de modo implícito, revelava a existência de um Ser Superior de infinita bondade e sabedoria, para Lamarck o conjunto de dados ao seu dispor sinalizava a evidência de uma transformação gradual dos organismos ao longo do tempo. Apoiado em seus estudos, Lamarck defendia uma teoria unitária da natureza, postulava que durante um longo espaço temporal operaram-se mudanças contínuas, e eram justamente estas mudanças que demandaram as modificações observadas no conjunto de dados a seu dispor no museu de Paris, quando assumiu, em 1790, a coleção de moluscos. De acordo com Mayr, em alguns casos os dados permitiam a Lamarck “ordenar os fósseis dos estratos mais primitivos e mais recentes do Terciário numa série cronológica, terminando numa série recente.

Ao se deparar com arranjos que, em alguns casos, possibilitaram-lhe organizar os fósseis em uma série filética sem interrupções, Lamarck conseguiu vislumbrar um conceito que faltou aos naturalistas anteriores –que os organismos poderiam ser organizados em uma linha temporal–, e isso lhe permitiu reconhecer uma série de novos fenômenos.

A percepção de que se poderia organizar os fosseis de modo que eles apresentassem a conformação de uma linha temporal em que se poderia observar mudanças gradativas de uma forma ancestral até a forma atual, sugeria para Lamarck que haveria alguma forma de adaptação dos organismos às mudanças ambientais. Assim, Lamarck passa a considerar a idéia de que seria o ambiente que determinaria as condições favoráveis para a existência de certos tipos de organismos. Mudanças ambientais seriam responsáveis ou pela eliminação de algumas espécies ou pela necessidade de transformação de outras para se adaptarem às novas condições ambientais. Não havendo nenhuma perturbação ambiental, manter-se-ia uma espécie de relação harmônica entre as condições ambientais e os organismos. No entanto, o meio ambiente está sujeito a mudanças sucessivas e contínuas que requerem dos organismos medidas adaptativas para que se recupere a harmonia perdida, forçando assim os organismos a se modificarem ao longo do tempo.

O que isso parece indicar é que Lamarck elaborou um mecanismo evolucionário de mudança e adaptação como um processo contínuo, onde não haveria oportunas divisões na natureza, e sim um fino e gradual processo de harmonização entre organismo e meio ambiente. Contudo, Lamarck não era um vitalista tampouco um teleologista, em seu processo evolutivo não há nenhuma força vital a conduzi-lo em um determinado sentido ou propósito. Para ele a necessidade de harmonização decorria de um potencial inato da vida animal. A tendência para a organização complexa, no sentido de um processo de desenvolvimento gradual de formas simples até as atuais, era o que poderia ser considerado como o subproduto de ações orgânicas internas aos organismos para fazer face às necessidades impostas por modificações no meio ambiente. Suas teorias são nesse sentido mecanicistas. De acordo com Mayer, as mudanças evolutivas na acepção de Lamarck correspondiam a duas causas:

"A primeira era uma capacidade que providencia a aquisição de sempre maior complexidade”. (...) “A segunda causa da mudança evolutiva era a capacidade de reagir a condições especiais do meio ambiente”.

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É isso!


Fonte:
Valdeir D. Dei Cont: “EUGENIA: A ciência do melhoramento das especificidades genéticas humanas”. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp,sob orientação do Prof. Dr. José Luiz dos Santos).

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.

O positivismo e o spencerismo no Brasil

"Ordem e Progresso, inscrição de nossa bandeira nacional, expressou o movimento de alinhamento dos republicanos brasileiros à perspectiva positivista comteana, para a qual a construção da nova sociedade não poderia prescindir do entendimento de que “a ordem constitui sem cessar a condição fundamental do progresso e, reciprocamente, o progresso vem a ser a meta necessária da ordem”. Neste sentido, Comte enfatizou que o princípio de ordem só poderia ser constituído a partir de princípios científicos e que, portanto, o progresso estaria, necessariamente, vinculado ao desenvolvimento da ciência, mais precisamente, da ciência positiva.

Se pela via do positivismo, as elites brasileiras enfatizaram a importância da ordem e da hierarquia para o progresso social, pela via do spencerismo, justificaram a sua naturalização. Sob o mote - “sobrevivência do mais apto”- e tomando como referência de grau evolutivo mais desenvolvido o modo de vida da população mais abastada dos países ricos, Herbert Spencer advogava a idéia de que as diferenças sociais seriam resultado natural de um processo evolutivo, oriundo do conflito e da competição entre os homens. Aplicando a tese darwiniana da seleção natural às sociedades humanas, Spencer procurou justificar as diferenças de classe, de poder aquisitivo, de habilidades cognitivas, de valores morais. Pautado no argumento científico positivo, ofereceu um modelo explicativo, dentre outros fatos, para a ocorrência da expansão da pobreza pós-revolução industrial, para o imperialismo europeu sobre as nações menos desenvolvidas bem como, para a idéia de superioridade da raça branca frente às outras raças.

Se na seleção natural de Darwin a questão da sobrevivência e da evolução passava pela adaptação dos seres aos determinantes da natureza, no spencerismo a superioridade do indivíduo se daria por um processo crescente, de sucessivas adaptações aos imperativos da nova sociedade, sociedade esta, pautada no conhecimento científico e na tecnologia. Sendo assim, este modelo filosófico além de buscar justificativas para o fato, por exemplo, de o capitalista ocupar o topo da cadeia “sócio-evolutiva” - visto que alcançou o domínio da teoria da ciência e a propriedade dos meios de produção -, ou justificar o lugar de subordinação ocupado pela maioria trabalhadora - na medida em que “suas mãos”, tão carentes de evolução quanto sua capacidade de pensamento, dependiam do planejamento e da propriedade alheia para materializar sua força de trabalho em mercadorias -, também, deixava em aberto a possibilidade do trabalhador, caso se empenhasse, por gerações seguidas, em adaptar-se aos imperativos da nova sociedade, de um dia poder conquistar habilidades e propriedades que lhe permitiriam ascender ao lugar de indivíduo dominante na estrutura social.

Tomando como ponto de partida a orientação burguesa do livre jogo das forças individuais e depositando no indivíduo a responsabilidade pelos problemas e contradições sociais, Herbert Spencer, se posicionava contra a intervenção do Estado na economia e na educação - para ele, tanto as empresas quanto os indivíduos estavam sujeitos ao princípio da auto-adaptação, imposto pelos desígnios do mercado. Porém, ao analisar as necessidades da agenda capitalista novecentista, frente às condições de vida e de formação – sobretudo, moral - da população trabalhadora, este filósofo inglês defendeu a importância da transmissão de rudimentos científicos para o proletariado. A defesa tanto de Spencer quanto de Comte ao ensino da ciência - ciência enquanto conhecimento prático, utilitário -, evidenciava uma clara oposição destes filósofos contra o ensino religioso, o qual, segundo eles, pouco podia contribuir para uma sociedade movida pela técnica e pelo paradigma da ordem e progresso.

Tendo em vista, portanto, a necessidade de disciplinar os trabalhadores e torná-los aptos para o trabalho livre e regular, de prepará-los para a vida política e de criar um senso coletivo de pertencimento nacional num país de dimensões continentais, culturalmente muito diverso, a classe dominante brasileira se valeu das contribuições de filosóficos, políticos e reformadores da sociedade, dentre os quais Spencer e Comte. Estes, embora não fossem educadores, na acepção da palavra, desenvolveram teorizações que serviram de alicerces ideológicos sobre os quais ergueu-se a nova nação brasileira e seus aparelhos de difusão e sustentação, dentre os quais, a escola burguesa para todos.

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É isso!

Fonte
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DANIEL VIEIRA DA SILVA: “EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: de como as propostas tangenciam a relação educação-trabalho.” (Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor, Programa de Pós-Graduação em Educação – Área Educação e Trabalho, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Lígia Regina Klein). CURITIBA, 2007.

Nota:
A imagem e o titulo não se inserem na referida tese.

"Uma ciência atrás da cortina de ferro"

O texto a seguir, é de autoria de um nome atualmente desconhecido, penso eu: Osvaldo Bastos de Menezes, engenheiro agrônimo, biologista, professor de Genética, Doutor em Ciência pela Universidade de Minnesota. O “desconhecido” talvez se justifique em partes pelo fato de o livro ter sido publicado em 1956, no tenso período da Guerra Fria, um momento bem propício para a proliferação de publicações sobre assuntos relacionados ao regime totalitário russo, daí o título do livro: “Uma Ciência Atrás da Cortina de Ferro”.

A forma como a ciência foi manipulda na antiga União Siviética, sob o comando do temido Lysenko, é mais ou menos exposta nesta obra, da qual extrair um capítulo que versa exatamente sobre a ascenção deste poderoso cientista de Stalin.
Encontrei o livro num desses sebos do centro de São Paulo, e faço questão de torná-lo público neste simples blog. Ei-lo:

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A Ascenção de Lysenko
"Lysenko, nascido na Ucrânia em 1898, de família modesta, exerceu sua primeira atividade em 1913 no Instituto de Horticultura, de Poltava, passando em seguida para Umansky, em cujo Instituto de Horticultura trabalhou até 1921. Desempenhou alguma atividade como melhorista de planta (plant-breeder”) em Kiev, indo, em seguida, trabalhar em Gandza, Azerbdjão, sôbre assuntos relacionados com a propagação de plantas. Desde 1926 que se dedicava, com afinco, a êsses problemas, focalizados, mais tarde, em maio de 1929, no «Congresso de Genética e Melhoramento de Plantas e Animais”, presidido por Vavilov. Aí êle faz seu primeiro aparecimento oficial, embora já houvesse publicado um trabalho em 1928, no Boletim N.° 3 da Estação Experimental de Melhoramento de Plantas de Azerbdjão.

Vamos nessa ocasião encontrar as primeiras afirmações de Lysenko num processo “novo” de técnica chamado por êle de vernalização, segundo cujos princípios não existem plantas de inverno ou de primavera, como no caso do trigo, mas condições especiais que podem alterar o comportamento intrínseco dêsses trigos, mudando o hibernal em primaveril, e vice-versa, tão só com processos de tratamento artificial.

Em 1932 reúne-se a Conferência Nacional de Planificação para os assuntos de Genética e Seleção, onde o programa oficial encareceu a urgência do aumento de produção agícola, pois o próprio Stalin determinou que se se substancial melhoria em tempo variável de 4 a 5 anos. Estabeleceu ainda a Conferência que os assuntos de genética deviam orientar-se no sentido do materialismo dialético, decisão esta que veio favorecer Lysenko, no decorrer dos anos.

Em 1934 e 1935, Lysenko publica dois outros trabalhos, ainda sôbre vernalização, sendo que neste último saiu o livro por êle escrito de parceria com Prezent - sôbre “Melhoramento das plantas e teoria fásica do denvolvimento”, no qual conferem as suas primeiras inpretações dos fenômenos de herança. Até essa altura as aparições nas revistas técnicas, ou nos congressos, guardavam certo recato e ponderação nos ataques à Genética, o que se não deu daí para diante, por lhe parecer necessário um combate mais violento e sistemático.

No IV Congresso da Academia Lenine de Ciências Agrícolas (1936) Lysenko e Prezent assumiram o comando apaixonado dos ataques à Genética, e sua argumentação impressionou ao meio oficial e aos não-cientistas presentes. Mostraram êles que a Genética se chocava com os princípios dialéticos, era inconsistente com os postulados de Darwin e despida de fundamentos práticos. O ambiente tornara-se carregado e um grupo relativamente ponderável passou a secundar Lysenko. Nesse grupo se sobressaíram os seguidores do autor da inseminação artificial, Ivanov. Estabelecia-se um cisma bem definido entre os dois grupos, teatralizando os lisenquistas com uma eloqüência fogosa, onde mais descobria o conteúdo dialético, político, que o genético ou científico. A Genética fôra acusada de idealista, mecanicista e sem fundamentos concretos. Meister, presidente do Congresso, que concordou com alguns dos pontos do ataque, discordou de Lysenko no atinente à teoria física da hereditariedade (cromatossoma), e Serebrovski, com vigor, analisou a argumentação de Lysenko e mostrou a fragilidade de sua obra, baseada num conjunto de conceitos abandonados, por falhos de sustentação científico-experimental, tendo Lamarck pela proa. Müller, presente como convidado, verberou no mesmo tom e apresentou uma vigorosa exposição do Mendelismo, mostrando a correspondência eloqüente que a citologia revela com a Genética. Vavilov também defendeu a genética e, embora tenha mostrado o quanto de prático ela trouxe, não deixou de ser censurado por não haver rebatido os pontos essenciais dos lisenquistas.

É interesante notar que nessa reunião os geneticistas expuseram francamente suas opiniões, pois havia os verdadeiros mendelista (Vavilov, Müller, Serebrovski, Levitski, Sehurdin, Lisicin, Konstantinov, Navashin, etc.), os mendelistas que encontravam algum conteúdo nas teorias de Michurin (Meister, Pisarev, etc.) e os opositores ferrenhos do mendelismo, capitaneados por Lysenko.

Aí por volta de 1937, Zebrak, geneticista, mas ao mesmo tempo dialeta convicto, abriu fogo contra seu colega Vavilov, considerando suas obras como destituídas de conteúdo dialético, embora expusesse com vigor que não havia nenhuma divergência da ciência genética com os princípios dialéticos, alegando que os métodos empregados é que eram responsáveis pelo conflito de princípios não a ciência em si. E no III Congresso Russo de Genética essa onda de certa confusão tomou corpo. Aumentava, para Lysenko, a simpatia dos congressistas. Já nessa altura Vavilov havia sido ptiblicamente atacado de esposar idéias de uma ciência que era a base da teoria fascista de superioridade racial, tema também explorado por Lysenko, embora exposto por Vavilov o absurdo de tal enunciado.

Eram já familiares as denúncias de conteúdo nazista no arcabouço genético, e, por uma propensão natural do Estado, parecia necessário encontrar algo que estimulasse a genética russa. O fermento desencadeado por Lysenko e Prezent crescia a olhos vistos, e sua multiplicação ganhava terreno nas camadas leigas. De indústria, ambos publicavam seus trabalhos em revistas ou jornais de cunho menos formal, e, se não atingiam o meio técnico, caIavam fundo na opinião dos ignorantes.

Ganhava adeptos a “nova” genética e pesquisadores jovens avocaram também a si a obra de destruir o mendelismo. Finalmente, em 1940, Vavilov foi deposto dos cargos e substituído por Lysenko.

Estava terminada a primeira fase da controvérsia, aquela que requeria, para triunfo, a liquidação das figuras marcantes do mendelismo. Foi uma batalha vencida com argumentos políticos, hàbilmente lançados por um grupo que não possuía consistência experimental válida para demonstrar suas conclusões.

O ambiente, “expurgado”, era todo lisenquista. Uns poucos que ainda não haviam aderido foram sendo demitidos e presos, num processo de liquidação que culminou com o Congresso da Academia de Ciências (Agôsto, 1948). Aí os últimos reinanescentes se retrataram putblicamente, reconhecendo seus erros em defenderem idéias mendelistas, numa autocrítica que resume a liberdade” de pensar e de agir que passou a medrar no campo ‘científico” russo. A confissão do “êrro” já não era feita por homens livres: ela era o depoimento de prisioneiros. E, em tal clima, o Presidium da Academia aprovou um ato de “obrigação para as ciências biológicas, biologistas e todos os naturalistas, reformaram radicalmente seus trabalhos e assumiram um papel de combate decisivo às ciências reacionárias e idealistas”. As resoluções, que traziam o sêlo do Partido Comunista, estabeleceram, entre outros pontos:

a) demitir o titular da Academia de Ciências, Prof. Orbeli;
b) demitir o titular da Academia de Ciências, Pfrof. Schmalhausen, do pôsto de Diretor do Instituto de Evolução Morfológica;
c) nomear o titular da Academia, Prof. Lysenko, para membro da Divisão de Ciências Biológicas;
d) suprimir as atividades do Instituto de Citologia, Histologia e Embriologia, do Instituto de Citologia Vegetal do Laboratório de Fenogênese, por seus fundamentos anticientíficos;
e) obrigar a Divisão de Ciências Biológicas a rever os planos científicos, tendo em mira a difusão dos conceitos de Michurin;
f) obrigar o Conselho Editorial de Publicações e a Divisão de Ciências Biológicas a publicar uma biografia científica de Michurin;
g) obrigar os Institutos a demitir todos os adeptos do mendelismo e nomear os representantes da “biologia avançada de Michurin”;
h) comissionar a Divisão de Filosofia e História nas investigações que evidenciam as correlações práticas do michurismo com seu conteúdo ciêntifico;
i) comissionar a Divisão de Ciências Biológicas para rever os planos de preparação dos candidatos aos dos institutos de pesquisa.

Todo um bloqueio foi, assim, feito em tôrno dos novos iniciados, exigindo-se uma só manifestação, uma só reação dentro de um único princípio direcional e de uma “ciência”, a Dialética.

E em obediência a isso tudo, dirigiu o Presidium a seguinte carta, cujo original inglês, da autoria da Editôra Russa, é aqui traduzido:

“Camarada I.V. Stalin,
Prezado José Vissarionovich:

Os participantes da sessão da União Federal das Academias de Ciências Agrícolas, acadêmicos, agrônomos, melhoristas, biologistas, engenheiros mecânicos e organizadores da agricultura socialista, enviam-vos cordial saudação bolchevista e votos de felicidade.

Diàriamente, e em tôdas as horas, os cientistas e os trabalhadores da agricultura sentem a ansiedade do Partido Comunista e do Govêrno Soviético de melhorar a ciência agrícola, bem assim vossa participação constante nos assuntos que a ela se referem para maior desenvolvimento e progresso.

A vós, grande criador do Comunismo, nossa ciência nacional é devedora dos relevantes esforços com que a enriquecestes e a elevastes perante todo o mundo, da proteção fornecida contra os perigos que a pudessem afastar dos interêsses do povo, dos auxílios que destes para vencer as lutas contra os reacionários, e das atenções tributadas para o crescimento contínuo da ciência dos trabalhadores.

Continuador da obra de Lenine, vós salvastes, para benefício da biologia materialista, os ensinamentos do grande transformador da Natureza, I.V.. Michurin, elevando o michurinismo perante tôdas a ciências como o único movimento progressista das ciências biológicas. Graças a isso, as bases naturais do marxismo-leninismo despertaram o orgulho do mundo, pois suas conquistas so confirmadas pelas experiências históricas, e, por isso, estão sendo levadas sempre mais à frente.

Vós, nosso prezado chefe e guia, díàriamente contribuís para que os cientistas soviéticos elevem nossa ciência progressiva e materialista para poder servir à nação, ciência que exprime o novo anseio do mundo e dos homens da nova sociedade.

O sistema de fazendas coletivas, estabelecidos sob vossa aguda visão, abriu tremendas possibilidades para tôdas as fôrças criadoras, ao mesmo tempo que provou seu poder invencível. O Partido de Lenine-Staalin guiou combatentes decididos em prol de uma agricultura mais produtiva, e de uma pecuária mais rendosa. O michurinismo, chamado por vós para desenvolver, sob bases mais positivas e revolucionárias, investigações científicas para transformar a natureza das plantas e dos animais, tem fornecido meios aos homens práticos para melhorar a agricultura socilista. Em troca, o povo progressista das fazendas coletivas, inovador da produção em bases competição socialista, enriqueceu nossa ciência com novos métodos e novas conquistas.

Asseguramos a vós, prezado José Vissarionvich, que devotaremos todos os nossos esforços para colaborar com as fazendas coletivas e estaduais no aumento da produção de nosso país, que constitui um dos pontos mais importantes da transição do socialismo para o comunismo, Vmos, para isso, possibilidades na cooperação mais estreita entre a, Ciência, a nação e o povo progresista das cidades coletivas, como nos tendes ensinado a nós, bolchevistas ou não, do Partido. Ciência que se distancia do povo e que não é útil, não é ciência.

Nossa agrobiologia, desenvolvida por Timirjarzev, Michurin, Willlams e Lysenko, é a mais desenvolvida do mundo. EIa não sòmente é a legítima herdeira dos pensadores avançados da História, como representa uma nova e mais alta conquista do conhecimento humano.

A doutrina de Michurin é um degrau a mais no desenvolvimento da biologia materialista. Os michurinistas levarão mais adiante o darwinismo criador, denunciarão as ciências burguesas e libertarão de idéias metafísicas os pesquisadores, pois uma ciência biológica rejeita, e expurga, as idéias viciadas da impossibilidade de dominar a Natureza.


Ela, ao contrário, ensina aos investigadores descobrir meios e modos para pô-la a serviço do homem.

Nesta cruzada nos inspiramos nos ensinamentos de Marx, Engels, Lenin e Stalin. Invocamos vosso apêlo para servir ao povo, servindo à tradição, mas não tememos em pegar das armas para destruir tudo que é obsoleto.

Viva a ciência progressista de Michurin!

Glória ao grande Stalin, guia do povo, corifeu da ciência.”

(Adotado por unanimidade pela sessão da União Federaí das Academias de Ciências Agrícolas).

— Como um documentário para a História, convém que nesse momentoso congresso houve alguém que perguntou à mesa diretora dos trabalhos qual era a opinião do Comitê Central do Partido Comunista Russo nessa controvérsia. E é o próprio Lysenko que, usando da palavra, responde que o Comitê leu suas conferências e aprovou-as integralmente. Sucesso esperado, as notas taquigrafadas pelo oficialismo resumem como tendo suas palavras sido recebidas sob tempestuos aplausos, grandes aplausos, e tôda a assembléia de pé!

Quem, depois disso, poderia manifestar “outra” opinião se não aquela ditada pelo Partido? De fato ninguém. E a controvérsia, que se desenvolveu até certa altura, foi abafada de chôfre. À livre discussão e debate de idéias impôs-se a palavra oficial, dirigida.”

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É isso!

Fonte:
Osvaldo Bastos de Menezes: “Uma Ciência Atrás da Cortina de Ferro”. Livraria Martins Editôra. São Paulo, 1956, p. 82-90.