"Sir Isaac Newton" On Line

A biblioteca digital da universidade de Cambridge disponibilizou através da Internet imagens dos papéis de Isaac Newton (dentre outras, a famosa “Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica”) que podem ser visualizadas no link abaixo:

Cambridge University Library holds the largest and most important collection of the scientific works of Isaac Newton (1642-1727). We present here an initial selection of Newton's manuscripts, concentrating on his mathematical work in the 1660s. Over the next few months we will be adding further works until the majority of our Newton Papers are available on this site.

Quebra-cabeça para darwinistas

O excelente blog em língua espanhola “Darwin o Diseño Inteligente” publicou recentemente um texto intitulado “101 Desafíos al Evolucionismo Darwinista”, em referência a um livro de Lewis I. Held Junior, intitulado “Quirks of Human Anatomy” (Peculiaridades da Anatomia Humana). O texto traz algumas perguntinhas que funcionam como um verdadeiro quebra-cabeça para os afoitos devotos de Darwin, como nos exemplos a seguir:

1. Por que ou como evoluíram os pelos nos mamíferos?
2. Por que ou como evoluiu a glândula pituitária?
3. Por que o número de vértebras cervicais é tão constante nos mamíferos?
4. Por que nós, os seres humanos, não conseguimos sobreviver sem oxigênio?
5. Como nosso genoma ativa determinados genes em determinados momentos?
6. Como nossas pernas direita e esquerda crescem até o mesmo comprimento?
7. Por que a artéria aorta encontra-se no lado esquerdo nos mamíferos e no lado direito nas aves?
8. Qual é o valor adaptativo da assimetria do coração?
9. Por que o número de dedos é tão constante nos tetrápodes?
10. Como os molares infantis se transformam em pré-molares adultos?
11. Qual é o significado adaptativo do orgasmo feminino?
12. De que forma se diferenciam os cérebros de homens e mulheres?
13. Por que a mosca macho tem um músculo inútil que a mosca fêmea não possui?
14. Por que os chimpanzés não conseguem falar?

É isso!

Darwin e a causa neo-ateísta

Qual, dos grandes vultos históricos, teria melhor credencial ideológica para representar a causa neo-ateísta?

Talvez Karl Marx, que se referiu à religião como o “ópio do povo”; ou, quiçá, Stalin, Mão Tse Tung e Fidel Castro, que perseguiram os religiosos e mandaram fechar as igrejas. Indo mais longe, pode-se aventar o nome de Epicuro, o qual, embora não fosse propriamente ateu, desdenhou dos deuses, afirmando não haver motivos para temê-los, quer na vida ou quer após a morte. Temos ainda o escritor português José Saramago, que via a Bíblia como um “manual de maus costumes” e que desaconselhava sua leitura entre os jovens; também podemos fazer menção de Friedrich Wilhelm Nietzsche, o qual proclamou “a morte de Deus” e atacou frontalmente a fé cristã. Outros nomes poderiam ainda ser lembrados, tais como: Charlie Chaplin, que professou seu ateísmo, segundo ele, pelo “simples senso comum”; Sigmund Freud, que via a religião como uma neurose obsessiva; o músico inglês John Lennon, que dizia acreditar apenas em si próprio; Isaac Asimov, que via a Bíblia como a maior arma a favor do ateísmo. E, por fim, pode-se pensar no ícone atual do novo ateísmo, o ideólogo Richard Dawkins, que afirmou ser a fé um dos maiores males do mundo, comparável ao vírus da varíola, porém mais difícil de erradicar.

Razões não faltam para se eleger um desses nomes como o “melhor representante” do não-Deus ou do anti-religião; porém, é o nome de Charles Darwin que se desponta no horizonte alvoroçado desses novos ateus; Darwin é o nome mais lembrado e o que mais se liga à causa neo-ateísta, atualmente. Prova disso é a data que se escolheu para assinalar aquilo que eles denominaram de “O Dia do Orgulho Ateu”, ou seja, o dia 12 de fevereiro, o mesmo do nascimento do naturalista inglês e autor do “A Origem das Espécies”.

Não é à toa que a Evolução, para esses novos ateus, transformou-se num evento essencialmente ateísta e o que mais contrasta com a ideia de um Deus criador. Sem dúvida um enorme obstáculo aos darwinistas de tendências religiosas. Ademais, a luta inglória dos devotos de Darwin em elevar à Teoria da Evolução ao status de lídima ciência, só perde com isso, afinal, faz com que ela (A Teoria da Evolução) seja cada vez mais vista pelos crentes como uma opositora de suas crenças e, consequentemente, como um estorvo para a fé em Deus. E assim caminha a mediocridade...

É isso!

O darwinismo medieval

É amplamente conhecida a opressora atuação da Igreja em todos os âmbitos da sociedade durante a longa Idade Média. Em relação, por exemplo, aos intelectuais, sabe-se que eles não deveriam jamais ultrapassar os estreitos limites estabelecidos pelos líderes religiosos, o que poderia culminar numa perigosa acusação de “heresia”. Tudo o que a Igreja decretava como verdade, seja na esfera da fé ou da razão, deveria ser aceito incondicionalmente como sendo realmente a “verdade”. Desta forma, se a Igreja afirmava que o Sol girava em torno da Terra, ainda que houvesse provas contrárias, prevalecia sempre sua arbitrária “verdade”. Todos conhecem o caso do cientista italiano Galileu Galilei que, por apoiar a teoria de Copérnico de que o Sol (e não a terra) constituía-se o centro do nosso sistema planetário, foi preso pela Inquisição, tendo de atenuar suas convicções, visto que não corroboravam com o entendimento oficial da igreja.

Bom. A Inquisição se foi, e com ela seguiu-se a reboque toda a opressão exercida aos que ousam pensar diferente dos dogmas da igreja. Em 1978, o papa João Paulo II declarou: "A Inquisição é um capítulo doloroso do qual os católicos devem se arrepender". E, não obstante a perseguição aos intelectuais ainda persistir entre muitos grupos religiosos ao redor do mundo, nos países democráticos ela já se tornou sombra de um passado que não quer se repetir. Religião e ciência, hoje, excetuando esses grupos religiosos fundamentalistas, convivem pacificamente, com raríssimos confrontos no âmbito ético-moral.

Sendo assim, por que determinadas vertentes consideradas “científicas” ainda hoje sentem tanto temor de que uma “conspiração religiosa” venha aterrar as novas descobertas da ciência, como é o caso de boa parcela dos defensores da Teoria da Evolução, de Charles Darwin?

Pessoalmente desconheço casos semelhantes ao que ocorre no seio do darwinismo. O medo de que a Teoria da Evolução seja banida das pautas escolares transformou-se, para muitos dos devotos de Darwin, numa patológica mania de perseguição, como se a vulnerabilidade científica de seus dogmas afetassem toda a ciência, incluindo a descoberta de cura para a AIDS. Tratam a ciência como fosse um frágil rival da religião, daí todo esse desespero que até parece fugir de uma boa explicação freudiana.

Semelhantemente à Igreja medieval, esses devotos de Darwin não aceitam quaisquer contestações, as quais, na prática, transformaram-se em “perigosas heresias”. Para eles há uma só verdade, a qual deve ser preservada a todo custo. A situação é tal hoje, que qualquer cientista que apresente uma alternativa genuína a seus “dogmas científicos” logo é silenciado, sob o risco de ser mandado ao ostracismo acadêmico, sendo em consequencia disso rotulado dos mais variados adjetivos com conotações religiosas. É o medievalismo às avessas, patologicamente às avessas...

É isso!

“Hoje pavão, amanhã espanador!"

IMAGEM: "EL MUNDO"

Segundo um trabalho a ser publicado amanhã na revista "Science", uma equipe de pesquisadores liderada por por Hans-Peter Uerpmann, da Universidade Eberhard Karls, em Tübingen, na Alemanha, encontrou indícios em ferramentas que poderão fazer recuar em quase 50.000 anos a chegada dos humanos modernos na península árabe.

Até agora, pensava-se que os primeiros “sapiens”, ao deixar a África o fizeram pelo chamado “corredor do Nilo”, após cruzarem pelo estreito de
Bab-el-Mandeb, que separa o continente asiático do africano. Este trabalho, entretanto, defende a existência de uma rota de saída pelo sul do Golfo Pérsico, levando em conta que as ferramentas encontradas no sítio arqueológico de Jebel Faya possuem a mesma “tecnologia” de que se utilizavam os “sapiens” primitivos que habitavam o leste da África.

Bem. Pecuinhas evolutivas à parte, o fato é que a Teoria da Evolução revela-se uma verdadeira “colcha de Penélope”. Durante o “dia”, tece-se aos olhos dos deslumbrados darwinistas o imenso “lençol evolutivo”, enquanto na “calada da noite” cuida-se em desfazê-lo sob novos argumentos e pretextos.


Ora, se as “verdades” darwinistas são assim tão vulneráveis; se os “laços evolutivos” que as prendem mostram-se tão fáceis de serem rompidos, por que então tanta certeza, tanta jactância, ostentação e altivez?

É como dizia
Hermógenes: “Hoje pavão, amanhã espanador!"

É isso!

O primo Pongo

Segundo matéria publicada hoje no jornal espanhol “El Mundo”, um grupo de pesquisadores do Instituto de Biologia Evolutiva da Universitat Pompeu Fabra (UPF-CSIC) comprovou por meio do sequenciamento do genoma do chamado “homem da floresta” que os orangotangos compartilham 97% de seus genes com os seres humanos. Depois dos chimpanzés, o grande macaco Pongo pygmaeus seria assim aquele que mais se aproxima do homem geneticamente.

Bem. Uma pergunta que deveria ser feita em relação a este tipo de notícia seria: em que exatamente pesquisas desse viés serão de alguma utilidade para o homem e para a própria espécie arborícola?

Segundo os mesmos pesquisadores, o novo empreendimento científico culminará nos seguintes benefícios práticos para ambos os “bichos”:

1. Ajudará o homem a conhecer melhor sua evolução,
2. Trará novos conhecimentos para as pesquisas relacionadas a doenças genéticas,
3. Contribuirá para um conhecimento mais amplo dos grandes símios, os quais estão em grande perigo de extinção, ajudando assim na sua conservação.

Bom. Levando em conta que o genoma dos chimpanzés começou a ser sequenciado e decifrado nos primórdios do século XXI, e que até o momento isso não resultou em nenhuma mudança relevante para os humanos e para os macacos, pode-se concluir folgadamente que os grandes beneficiários de tais pesquisas ainda serão os próprios pesquisadores. O resto fica nas entrelinhas...

É isso!

Seleção Natural como "peça de museu"

O que você acha que vai acontecer com o homo sapiens em termos de evolução?”, indagou um darwinista num desses fóruns populares da Internet. E acrescentou: “Vi numa revista, que provavelmente vamos ser mais gordos...

Isso me levou a um artigo publicado pelo jornal americano “Times”, em 1999 (Vol. 2, nº 33 - Folha de S. Paulo), intitulado “Como o homem evoluiu”. Lá pelas tentas, ao discorrerem sobre a influência da tecnologia na vida humana, os articulistas escreveram:
“Todo o nosso conhecimento sobre evolução mostra que é necessária a existência de populações pequenas e isoladas para que haja uma mutação real, o que seria inconcebível... Um nova espécie humana está fora de cogitação. Além disso, a tecnologia eliminou essencialmente o mecanismo de seleção natural. Na pré-história, apenas os indivíduos e as espécies mais fortes sobreviviam. Hoje, os fracos e os fortes têm acesso a medicina, alimentação e abrigo num nível de qualidade e abundância nunca visto. Atualmente, os camponeses pobres do mundo em desenvolvimento vivem melhor do que vivia o imperador da China há mil anos... Por outro lado, no futuro, a manipulação do genoma humano permitirá que mudemos as características básicas de nossa espécie ao nosso bel-prazer. O caminho evolutivo por seleção natural poderá ser substituído pelo aprimoramento pela intervenção humana...”

Pode-se concluir, portanto, que a Seleção Natural no âmbito humano fora relegada às traças. As mudanças ocorridas mediante seus graduais caprichos permanecerão para toda eternidade na esfera de um passado longínquo que não pode ser pesado, medido e mensurado, mas apenas conjecturado, especulado, presumido e inferido. De resto, voltemos a Nastradamus, aos oráculos de Delfos e aos museus.

É isso!

A evolução da criatividade - V

É isso! ((rs))

A evolução das calçolas ((rs))

É isso! ((rs))

O darwinismo social

“O divisor de águas é a publicação do livro “A origem das espécies”, por Charles Darwin, em 1859. Schwarcz explica que a obra se transforma em paradigma científico, unindo monogenistas e poligenistas. Os primeiros mantiveram os critérios de raça por níveis mentais e morais, enquanto os poligenistas reconheciam uma origem única, mas argumentavam que o tempo era suficiente para separações e a solidificação de diferentes heranças.

É neste cenário que ambas as correntes se afastam da biologia e o conceito de raça passou a ser conectado a elementos políticos e sociais. O impacto das idéias de Darwin alcançaram a antropologia, história, teoria política, economia e sociologia, gerando o conceito de “darwinismo social.” Adotaram-se conceitos, nas ciências sociais, como “competição”, “seleção natural” e “hereditariedade”.

O mestiço, com base na aplicação desta perspectiva, virou sinônimo de ser degenerado e inferior.

Enquanto Broca defendia a idéia de que o mestiço, à semelhança da mula, não era fértil, teóricos deterministas como Gobineau e Le Bom advogavam interpretações opostas, lastimando a extrema fertilidade dessas populações que herdavam sempre as características mais negativas das raças em cruzamento. O certo, porém, é que a miscigenação, com a sua novidade, parecia fortalecer a tese poligenista, revelando novos desdobramentos da reflexão. As raças humanas, enquanto “espécies diversas”, deveriam ver na hibridação um fenômeno a ser evitado. (2003;57)

Respaldado pela antropologia de caráter biológico, os teóricos da raça chegaram a três conclusões:

1) A divisão da humanidade em raças era uma realidade, comparável à distância entre animais de uma mesma família. Desta forma, a miscigenação era reprovável.
2) A divisão por raças representava a diferenciação de culturas, pois a reprodução assegurava a “continuidade entre caracteres físicos e morais” . (2003;50)
3) As raças tinham peso na manifestação de comportamentos coletivos, o que reduzia a importância da liberdade de ação individual.

O fortalecimento das conclusões acima levou a um conjunto de idéias que ainda permeia as relações político-ideológicas em torno da racialização humana. Trata-se da eugenia (eu, boa; genus, geração), conceito que significa interferir na reprodução das populações. O termo foi utilizado pela primeira vez pelo cientista inglês Francis Galton em 1883. Naturalista e geógrafo, Galton ficou impressionado com “A origem das espécies” e publicou em 1869 o texto Hereditary genius, no qual defendia que a competência humana se consolidava pela hereditariedade, e não pelos processos educacionais.

Assim, as proibições aos casamentos inter-raciais, as restrições que incidiam sobre ‘alcoólatras, epilépticos e alienados’ visavam, segundo essa ótica, a um maior equilíbrio genético, ‘um aprimoramento das populações’, ou a identificação precisa ‘ das características físicas que apresentavam grupos sociais indesejáveis’. (Galton 1869/1979) In: Schwartz (2003;60)

O discurso racialista apareceu de forma enviesada no Brasil no final do século XIX. Foi um momento em o país, em vias transição do Império para o modelo republicano, recebia visitas constantes de naturalistas, que descreviam o Brasil como uma nação mestiça. No entanto, classificavam a sociedade como um país em transição. Ou seja: que os sucessivos cruzamentos embraqueceriam a população. A mestiçagem era símbolo do atraso e significaria o fracasso do Brasil como nação.

E os números serviam para ratificar os temores dos teóricos, deslumbrados com a chegada, com atraso, das teorias raciais.

Enquanto o número de cativos reduzia-se drasticamente – em 1798, a população escrava representava 48,7%, ao passo que em 1872 passava a 15,2% -, a população negra e mestiça tendia a progressivamente aumentar, correspondendo, segundo o censo de 1872, a 55% do total. Nessa mesma ótica, os dados de 1890 tornavam-se ainda mais aterradores. Ou seja, se na Região Sudeste (devido, sobretudo, ao movimento imigratório europeu) a população branca predominava – 61% - já no resto país a situação se invertia, chegando os mestiços a totalizar 46% da população local. (Schwartz, 1993; 13)

Segundo Schwarcz, a partir de 1870, a intelectualidade brasileira passou a conhecer de forma simultânea doutrinas européias como o positivismo, o evolucionismo e o darwinismo. Isso auxiliou na construção de um modelo próprio de leitura das relações brasileiras, que corriam em paralelo com alterações na legislação. Em 1871, é assinada a Lei do Ventre Livre, que punha ponto final no sistema de produção escravocrata ao libertar o filho de negros cativos. Mesmo contida, a lei do Ventre Livre casava com a postura de muitos países, que condenavam a prática escravagista.

De qualquer modo, as teorias estrangeiras não se encaixavam de maneira tão simples ao contexto brasileiro. A quantidade de mestiços era cada vez maior no quadro populacional e as idéias de controle de reprodução e de grupo homogêneo não ganhavam sustentabilidade prática, embora fossem operadas pela classe intelectual consumidora de conteúdo especializado no campo da retórica. No entanto, o Brasil como “laboratório de raças” absorveu, em suas relações cotidianas, conceitos como superioridade racial e nebulosidade no desenvolvimento futuro por causa da miscigenação. Os negros e mulatos herdeiros de um modelo escravocrata decadente, pagariam o preço do racismo, posteriormente camuflado e negado pelas classes dominantes. Nas ciências humanas, por exemplo, praticadas em Institutos Históricos, justificava-se, por exemplo, a perpetuação de posicionamentos sociais a partir de variações do conceito de “darwinismo social”.

O uso da raça virou pecha, elemento qualificatório, manipulado de acordo com os interesses de quem o utilizava. A comunidade jurídica, por exemplo, entendia que raça era uma característica particular da sociedade brasileira e que a elaboração de leis deveria se sobrepor à adjetivação racial. A classe médica, por sua vez, acreditava que raça era um elemento biológico, preponderante na diferenciação de grupos. Tratava-se de um fator relevante para a criação e implementação de políticas sanitaristas e de higiene pública.

A perspectiva eugênica perdeu força no Brasil, embora tenha colaborado na construção de posturas discriminatórias, na primeira metade do século XX. Na Europa e nos Estados Unidos, a via é oposta. Os alemães adotaram o arianismo, a busca pela raça pura, um dos pilares da doutrina nazista, enquanto os norte-americanos cristalizaram a ideologia do segregacionismo, tanto para negros como para indígenas.

Barbujani, no livro A Invenção das Raças,
descarta qualquer método científico que seja capaz de levantar possibilidades genéticas de diferença racial. Ele busca apoio, inclusive, em operações matemáticas.

Cada um de nós tem pais, quatro avós e oito bisavós. É raro que alguém conheça seus trisavôs, mas sabemos que foram 16, e assim por diante. Isso significa que, há dez gerações, isto é, cerca de 250 anos, cada um de nós teve cerca de mil antepassados (1024 para sermos exatos). (...) Douglas Rohde, do Massachussets Institute of Technology, calculou que quaisquer duas pessoas do nosso tempo têm um antepassado comum que viveu há pouco mais de três anos. (2007; 15)

Os resquícios desta prática podem ser vistos até hoje. Um exemplo são as inúmeras denominações presentes em pesquisas demográficos. Termos que – de alguma forma – servem para se evitar o peso histórico e cultural das palavras negro e preto. Era possível perceber dezenas de nomenclaturas quando a resposta era auto-declaratório. Expressões como moreno, mulato, pardo, pé na cozinha e outras demonstravam o imaginário popular brasileiro.

Na África do Sul, por exemplo, em tempos de apartheid, chineses eram chamados de asiáticos e japoneses, de brancos.”

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É isso!

Fonte:
Marcus Vinicius O.A. Batista: “Giz de cor: um olhar de professores negros sobre as relações raciais nas escolas públicas”. (Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação da Universidade Católica de Santos, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof. Dra. Maria Helena Bittencourt Granjo). Universidade Católica de Santos. Santos – SP, 2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

A persistência da Teleologia nas Ciências Biológicas

“A causal final ou teleológica serviria para respondermos, ante um processo ou entidade, a pergunta “Para quê?” Os conceitos e idéias a respeito da teleologia passaram por uma série de transformações ao longo do tempo. Entretanto, Ayala (ibid.) afirma que não há hoje um consenso sobre o conceito de teleologia, de forma que não se tem uma única idéia sobre o tema.

Em vários contextos inquisitivos, particularmente na Biologia e no estudo das relações humanas, a resposta teleológica se caracteriza como uma das melhores opções, ao elucidar as funções de uma unidade, mantendo as características de um sistema ao qual pertence, ou indicando o papel instrumental que exerce em função de um objetivo a alcançar. Contemporaneamente, entretanto, os argumentos teleológicos são vistos por alguns cientistas apenas como uma forma de expressão para tornar rápida e convenientemente inteligível o comportamento de estruturas desenvolvidas ao longo do tempo por meio da seleção natural normalizadora. As explicações teleológicas não exigem de seus “agentes” que sejam conscientes, como é o caso dos movimentos dos corpos na Física de Aristóteles, ou seja, nem sempre as explicações teleológicas possuem fundamentos antropomórficos, embora as mesmas se apropriem legitimamente dos fenômenos oriundos do comportamento humano.

Como nos referimos anteriormente, Souza (1999), destaca o embate durante todo o processo histórico de formação da Biologia, no qual duas formas de concebê-la são apresentadas. De um lado, a perspectiva mais vitalista e teleológica. De outro, uma visão mais materialista e causalista. Se por um lado a concepção naturalista da Biologia subsidiada em uma visão de mundo escolástica, na sua perspectiva teleológica, ganha espaço porque se aproxima da religião, por outro, perde em objetividade e rigor (Smocovitis, 1996; Foster, 2005). Quando o caminho inverso é tomado por uma nova visão de Biologia, matematizada e com todos os requisitos de rigorosidade e objetividade que o modelo de ciência positivista da época exige, corre-se o risco da perda de sua identidade, enquanto campo “autônomo” e independente de conhecimento (Smocovitis, 1996).

Os trabalhos de Darwin desempenharam um papel fundamental neste contexto quando as idéias de Spencer e admite que o termo ”persistência do mais apto” é mais exato e por vezes mais cômodo que a seleção natural. O sentido da competitividade se acirrava novamente, os mais bem adaptados são aqueles que saem vitoriosos na luta pela sobrevivência que mimetiza a competição mercantil da época. O fato é que Origem das espécies de Charles Darwin subsidiou diferentes discussões, em diferentes áreas do conhecimento e em diferentes práticas sociais. Gerou também muitas expectativas e uma delas girava em torno da exclusão dos aspectos metafísicos das Ciências Biológicas. É dentro deste contexto que a história da Biologia se edifica, entremeada por conflitos de ordem metafísica, há muito entranhada nas ciências naturais, e conflitos de ordem político-econômica e social.

Parece ser de consenso geral que o Iluminismo – mais precisamente a revolução científica dos séculos XVII e XVIII – desmantela a visão teleológica dos mundos da natureza, da ciência, da religião, do Estado e da economia; embora Foster (2005) ressalte que neste período houve tentativas poderosas de restabelecer a religião nesta perspectiva. Acreditava-se até então, que o advento das teorias de Charles Darwin pudessem eliminar de vez a visão teleológica de mundo. Como epílogo deste evento, diferentes autores (Foster, 2005; Mayr 1998a, Brody & Brody, 1999 e outros) destacam o famoso debate ocorrido no dia 30 de junho de 1860 na Associação Britânica para o Progresso da Ciência, entre Thomas Huxley (fiel discípulo de Darwin) e o bispo Samuel Wilberforce (ornitólogo e matemático) como marco da separação entre ciência e religião, e, portanto o começo da extirpação da teleologia na Biologia
.

Contudo, inúmeros sinais apontam para a presença da teleologia na Biologia. Segundo Martinez & Barahona (1998), Asa Gray – destacado botânico do século XIX – afirmou que a maior contribuição de Darwin foi reincorporar a teleologia às Ciências Naturais. Para o botânico, o aporte dado por Darwin consiste na explicação estável de fenômenos naturais a partir de “forças cegas” como a seleção natural. As implicações dos trabalhos de Darwin na discussão filosófica acerca do que é na verdade uma explicação científica são profundas e o retorno da teleologia as ciências naturais - mais precisamente à Biologia - é bastante significativo.

Martinez & Barahona (1998) ressaltam que este é o primeiro passo para um tipo de naturalismo que será defendido por Pierce e Dewey dentre outros filósofos do final do século XIX. Trabalhos como os de Wimsatt (1998) e Becker (1998), propõem posições intermediárias que possibilitem, em certa medida, mostrar que a teleologia pode sim se unir a ciência, mais como recurso explicativo. E é neste sentido que autores como Ayala (1998) crêem que as explicações teleológicas são compatíveis com as explicações causais. Para este autor as explicações teleológicas em Biologia evolutiva podem mostrar o desenvolvimento de um órgão, porque revelam como este contribui para a adequação do organismo.

Uma das perguntas que os Biólogos se fazem sobre as características dos organismos é: Para que? Qual é a função ou o papel de uma determinada estrutura no processo? A resposta a esta pergunta pode-se realizar teleologicamente. Uma explicação causal do funcionamento do olho não responde satisfatoriamente, ainda que esteja correta, porque não nos diz tudo que é importante sobre o olho, que na realidade serve para ver. Ferreira (2003) argumenta que quando obtemos respostas acerca de como se dá um fenômeno podemos chegar a conseqüências úteis do conhecimento, úteis no sentido de dominação da natureza.

Na descrição histórica das seqüências evolutivas, o problema às vezes se inverte: é fácil identificar a função que um órgão cumpre e mais difícil saber por que essa característica aumentou o sucesso reprodutivo que o favoreceu pela seleção natural. As explicações teleológicas têm grande valor heurístico na biologia evolutiva. Assim existem dois tipos de problemas para explicar a evolução mediante a seleção natural: determinar se a seleção natural está envolvida em uma determinada mudança genética e identificar concretamente a adaptação envolvida na mudança genética.

A seleção natural é o processo responsável pelas adaptações dos organismos, porque fomenta a multiplicação de variantes genéticas úteis a seus portadores. E assim como a seleção natural explica as adaptações dos organismos, como os olhos, as asas e a flores da mesma forma que explica a multiplicidade de espécies. Para Ayala (1998), a seleção natural foi o grande descobrimento de Darwin, que torna possível explicar cientificamente a teleologia do mundo vivo.”

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É isso!


Fonte:
Maicon J. C. Azevedo: “Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles. Co-orientadora: Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2007.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Um pouco da história da EVOLUÇÃO

Da Antiguidade ao século XIX

"As idéias concernentes à evolução biológica datam de muito tempo. Os antigos gregos já apresentavam idéias de um mundo dinâmico, em constantes mudanças apoiadas em racionalidades míticas. Anaximandro (611-546 a.C.) dizia que tudo o que existe no mundo era fruto da natureza elementar do universo (o que ele chamava de
apeiron) e que o próprio homem era originário de uma certa espécie de peixe (Wilkins, 2004), dentro do qual se desenvolveu e foi expulso logo que se tornou de tamanho suficiente para se bastar a si próprio. De acordo com Mayr (1998), isto não é uma antecipação da evolução, mas, sim, se refere à ontogenia das gerações espontâneas. Muitos outros filósofos propuseram as mais diversas teorias para explicar a origem da vida e sua manutenção. E entre eles estão: Anaxímenes (555 a.C.), Parmênides (475 a.C.), Empédocles (492-432 a.C.), Anaxágoras (550-428 a.C.) e Demócrito (500-404 a.C.). Mas há dois aspectos que caracterizam os conceitos das origens do mundo desses primeiros filósofos gregos: os atos de criação eram resultados do poder gerador da natureza e as origens da vida e dos seres eram não-teleológicas (Mayr, 1998).

Platão (428/7-348/7 a.C.), outro importante filósofo, perguntava como era possível haver tantas formas semelhantes. Instigado por esse pensamento, elaborou o conceito de
Eidos, a “forma” ou “idéia”, existente num mundo transcendental sendo imitada, com imperfeições, por seus representantes no mundo físico. A “idéia” é uma essência eterna e imutável. Sendo assim, os cavalos e triângulos que vemos no mundo físico, por exemplo, são, de acordo com Platão, apenas cópias imperfeitas do Triângulo e do Cavalo perfeitos que existem no mundo transcendental das idéias (Futuyma, 2002).

Aristóteles (348-322), aprendiz e discípulo de Platão, desenvolveu a
Scala Naturae, na qual mostrava uma hierarquia que acreditava existir entre a matéria inanimada e a viva. Ele dizia que há uma escala natural ligando a matéria inanimada à matéria viva, passando pelos seres vivos inferiores, pelos vegetais e animais superiores e chegando, finalmente, ao homem. (Soncini, 1993, p. 5). Durante a queda do Império Romano a teologia cristã se impôs no pensamento ocidental. Ela adotou uma interpretação quase literal da Bíblia: todos os seres foram criados por Deus (criacionismo) da forma atual em que se apresentam, não tendo ocorrido transformação alguma ao longo do tempo (fixismo). De acordo com Lovejoy (1936), o essencialismo platônico no conceito de plenitude foi incorporado a essa interpretação. O Eidos seria a mente de Deus e Ele teria materializado tudo aquilo que existe como sua idéia, não podendo haver extinção de nada daquilo que Ele criou, pois negar a existência de qualquer coisa, em qualquer tempo, introduziria imperfeição em sua criação (Futuyma, 2002). Além disso, toda a humanidade descenderia de um único casal, Adão e Eva, que foram criados a imagem e semelhança de Deus, reinando sobre todos os seres da Terra. Cria-se então uma hierarquia natural entre tudo o que existe na terra e no plano espiritual muito semelhante à Scala Naturae, ou Grande Escala dos Seres.

A partir desse ponto de vista, muitos estudiosos tentaram catalogar os elos da Grande Escala dos Seres e descobrir sua ordenação, de tal modo que a sapiência de Deus pudesse ser revelada e reconhecida. E, assim, foi feito por John Ray em
The Wisdom of God Manifested in the Works of Creation (A Sabedoria Divina Manifestada nos Trabalhos da Criação) (1691) e por Lineu em Systema Naturae (Sistema Natural) (1735) e Species Plantarum (Espécies Vegetais) (1753), que consideravam suas obras de classificação dos seres uma homenagem à glória de Deus (Futuyma, 2002).

Com o desenvolvimento da ciência empírica, esses pontos de vista foram perdendo força. Três vertentes de avanço científico contribuíram para que o pensamento evolutivo pudesse aflorar: a filosofia da natureza (ciências físicas), a geologia e a história natural (concebida de modo amplo) (Mayr, 1998).

No final do século XVIII, levantou-se a possibilidade de haver uma contínua origem de novas espécies por meios naturais. Especulava-se que novas formas de vida poderiam se originar ou por geração espontânea, a partir da matéria inanimada, ou pela manifestação das essências que estavam latentes em espécies anteriores.

Já no século XIX, Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829) publicou a sua teoria em
Philosophie Zoologique (Filozofia Zoológica), onde defende a evolução. Naquele trabalho, Lamarck diz que os seres inferiores surgem continuamente por geração espontânea e progridem, por uma tendência inerente, em direção a uma maior complexidade e perfeição, ou seja, ele propõe a idéia de evolução como um fato universal, envolvendo todas as formas de vida num único processo. Lamarck dizia também que o ambiente é o direcionador do caminho particular de progressão, sendo que sua alteração modifica as necessidades do organismo e esse muda o seu comportamento e, conseqüentemente, usa alguns órgãos mais do que outros; em outras palavras, os órgãos que desenvolvem intensa atividade crescem e se tornam mais eficazes e aqueles pouco utilizados se atrofiam e degeneram (lei do uso e desuso) (Futuyma, 2002; Soncini, 1993). Sua teoria é muito comumente chamada de Lamarckismo.

Ainda durante o século XIX, os fósseis começaram a chamar a atenção dos naturalistas e passaram a ser valorizados e estudados com maior profundidade. Havia várias explicações para aquelas peças estranhas: coisas vivas que se transformaram em pedra, restos da Arca de Noé ou formas de vida que tiveram as suas substâncias originais substituídas por minerais do solo (Soncini, 1993).

Também nessa mesma época começam a surgir as primeiras teorias e modelos consistentes sobre as formações e o tempo geológico mostrando que a crosta terrestre é formada por várias camadas e que, em cada uma delas, há fósseis não encontrados nas demais. Sendo assim, quanto mais antigo o fóssil, mais profunda é a camada na qual ele pode ser encontrado e, caso a espécie a qual esse fóssil pertence tenha sido extinta, não será possível encontrar outros exemplares em camadas mais superficiais.

O biólogo francês George Léopold Cuvier, nascido em 1769 no povoado de Montbéliard (nessa época ainda não estava sob jurisdição francesa), começou a fazer sua carreira como naturalista em 1795. A partir de então, interessou-se e estudou muitos desses fósseis, comparando-os com organismos vivos e registrando as semelhanças entre eles. Cuvier reparou que, quanto mais antigo o fóssil, mais diferente era das atuais formas de vida. Assim, colocou muitos fósseis em ordem cronológica (Soncini, 1993).

Esses dados levantados por Cuvier serviram de base para um resgate das idéias de Lamarck, ou seja, que os organismos teriam se originado uns dos outros, através de um processo de sucessivas e graduais transformações. Mas Cuvier, por motivos religiosos, não podia aceitar a possibilidade da evolução e interpretou seus dados diferentemente. Para ele, a Terra sofria catástrofes periódicas que eliminavam todo o vestígio de vida e, após cada destruição, novas formas de vida muito diferentes das anteriores eram criadas. Cuvier acreditava que as destruições eram atos de Deus seguidos por atos de criação. À essa teoria de Cuvier chamou-se Catastrofismo (Soncini, 1993). Essa teoria ganhou muitos adeptos, pois, ao mesmo tempo que conseguia explicar os novos achados sobre a idade da Terra e as transformações dos organismos, não contradizia a criação divina.

À medida que o tempo passava, a quantidade de fósseis encontrados aumentava e, juntamente com isso, a teoria do Catastrofismo começou a ser questionada, pois, para explicar o grande número de fósseis, era necessário elevar o número de catástrofes ocorridas. Somando-se a isso, em 1830, a obra
Principles of Geology (Princípios de Geologia) de Charles Lyell foi publicada, na qual se defendia a idéia de que as mudanças da Terra eram graduais e não catastróficas”.

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É isso!


Fonte:
CHRYSTIAN CARLÉTTI: “A percepção infantil das questões relacionadas à teoria da evolução: um estudo com crianças do Rio de Janeiro, Brasil”. (Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino em Biociências e Saúde. Orientador: Dra. Luisa Medeiros). Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2008.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

A crítica de Popper ao determinismo científico

“Conforme observamos nas seções anteriores, Popper argumenta em defesa do indeterminismo metafísico. Em O Universo Aberto aparecem diversos argumentos favoráveis a esta doutrina, mas grande parte da estratégia do autor é a defesa do indeterminismo de um modo negativo: a refutação do determinismo científico, que por sua vez levaria ao enfraquecimento do determinismo metafísico. Para que recordemos, a versão metafísica do determinismo sustenta que todos os eventos, em seus mínimos detalhes, estão precisamente pré-ordenados pelas condições que os antecedem (todo evento tem uma causa ou combinações de causas que são condições suficientes de sua ocorrência). Assim sendo, há uma simetria entre o passado e o futuro; ambos estão rigidamente fixados. Por outro lado, o determinismo científico preserva as idéias acima mencionadas, mas acrescenta que os eventos podem ser, em princípio, preditos com precisão ilimitada (não por um ser sobrenatural, mas pelos métodos científicos humanos). Pois para a ciência determinista, a imprecisão dos dados empíricos pode ser constantemente reduzida, seja pelo avanço de novas teorias, seja pelo aprimoramento de novas técnicas matemáticas e experimentais. Contra este posicionamento, a perspectiva indeterminista metafísica de Popper defende que há exceções quanto à predeterminação precisa dos eventos. Alguns eventos podem ser predeterminados fisicamente (por exemplo: o rompimento de um fio ao sustentar um peso maior do que possa sustentar), enquanto outros certamente não são predeterminados (por exemplo: os ruídos provenientes da comunicação de uma palestra).

No entanto, a proposta popperiana de abalar a doutrina metafísica do determinismo através de um ataque ao determinismo científico é demasiadamente ousada. Este último não é uma conseqüência necessária do primeiro, de modo que é sempre possível objetar que a falsidade do determinismo científico (seja por razões lógicas ou seja pela falibilidade do empreendimento científico) não se transmite para o determinismo metafísico. Mas Popper utiliza a situação lógica (conforme vimos na seção 3.1) de modo diferente: o determinismo científico é uma asserção sobre o mundo e sobre o conhecimento humano (é uma asserção cosmológica e epistemológica); seu conteúdo informativo é mais vasto do que o conteúdo da versão metafísica (que é apenas uma asserção cosmológica). Assim, por ser mais informativa, a versão científica está sujeita a uma melhor apreciação crítica. Apesar de que uma refutação conclusiva do determinismo certamente não possa ser alcançada, pois os argumentos sempre podem ser revistos, ainda assim Popper leva sua estratégia adiante por acreditar que pouco resta em defesa do determinismo se algum argumento puder mostrar que predições científicas com grau ilimitado de precisão a respeito dos eventos são, de modo geral, inatingíveis.

Em O Universo Aberto Popper não evita – tal como procurou evitar na Lógica da Investigação Científica – a discussão crítica de certas teorias metafísicas. Tal como observa David Miller, o polêmico debate do problema do determinismo e do indeterminismo “pode ser visto como um proeminente caso de teste para a concepção contrapositivista de que as teorias metafísicas, se claramente formuladas, podem ser racionalmente discutidas e criticadas; de que os modos de discussão racional não se limitam à pesquisa empírica e à análise lógica e matemática” (Miller, 1997, p.153). Para Popper, nem toda discussão de asserções metafísicas leva a pseudoproblemas, isto é, a questões indecidíveis ou sem sentido – ou dito de um modo carnapiano: sentenças sem conteúdo empírico definido devem ser excluídas da linguagem da ciência (cf. Carnap, 1969). Do ponto de vista popperiano, a partir da análise dos problemas para os quais as teorias metafísicas foram originalmente empregadas é possível uma discussão crítica, pois tais teorias podem falhar em resolvê-los.

Porém, conforme Miller (1997, p.153), as teorias metafísicas mais procuram fugir dos problemas do que solucioná-los. O determinismo concede que os casos particulares de eventos vivenciados de maneira regular sejam generalizados, assim, aceita-se a existência de regularidades como uma asserção universal e verdadeira. Mas o problema das irregularidades que possam vir a surgir e perturbar a uniformidade da natureza é ignorado sem maior avaliação crítica. Com relação ao indeterminismo a situação é diferente. Esta doutrina afirma que não há somente eventos regulares e precisos na natureza (tais como os relógios de altíssima precisão), mas também eventos imprevisíveis (tais como as nuvens gasosas). Tais eventos irregulares não encontram explicação através da perspectiva determinista, ao passo que numa perspectiva indeterminista poder-se-ia explicá-los como sendo regularidades estatísticas. Mas o fato da ciência indeterminista poder resolver certos problemas através de explicações e predições estatísticas ainda não é suficiente. O problema que permanece insolúvel é: os fenômenos são, afinal de contas, determinados, parcialmente determinados ou completamente indeterminados? Não se pode provar nada a respeito, pois não importa quão significativo seja o número de argumentos a favor de uma ou de outra teoria metafísica.

Popper não pretende responder de forma conclusiva à questão apresentada acima, mas pretende ao menos apresentar argumentos racionais contra o principal argumento que tem sido colocado a favor do determinismo: o determinismo científico. Para Popper, os poderes de previsão do conhecimento humano são limitados, mas com relação à crítica do conhecimento são ilimitados. As teorias metafísicas são criticáveis, principalmente se incorporadas em uma forma supostamente científica. Este é o caso do determinismo científico, que depende principalmente do sucesso de uma teoria empírica, “(...) como no caso da teoria newtoniana: o determinismo ‘científico’ deve aparecer como resultado do sucesso da ciência empírica, ou, pelo menos, como sendo apoiado por ela. Parece basear-se na experiência humana” (Popper, 1992c, p.50). Certamente, nenhum outro programa científico apoiou tanto a idéia do determinismo como a física clássica. Segundo Popper (1992c, p.47), o matemático Pierre Laplace ofereceu a melhor descrição do que seria uma teoria determinista, ou melhor, uma teoria determinista prima facie (Popper utiliza esta expressão para colocar em dúvida se tal teoria de fato implica o determinismo). A famosa descrição de Laplace é a seguinte:

Devemos considerar o estado presente do universo como o efeito de seu estado anterior e como a causa do estado que o sucede. Uma inteligência que conhecesse todas as forças que atuam na natureza em um instante dado e as posições momentâneas de todas as coisas do universo, seria capaz de abarcar em uma só fórmula os movimentos dos corpos maiores e dos átomos mais leves do mundo, sempre que seu intelecto fosse suficientemente poderoso para submeter à análise todos os dados; para ela nada seria incerto, e tanto o futuro quanto o passado estariam presentes diante de seus olhos. A perfeição que a mente humana tem conseguido dar à astronomia proporciona um débil indício do que seria tal inteligência. Os descobrimentos da mecânica e da geometria, junto com os da gravitação universal, têm colocado a mente em condições de abarcar na mesma fórmula analítica o estado passado e futuro do sistema do mundo. Todos os esforços da mente na busca da verdade tendem a aproximar-se da inteligência que acabamos de imaginar, embora permanecerá sempre infinitamente distante dela. (Laplace, in Nagel, 1978, p.262)

A Inteligência (ou como prefere Popper: “demônio laplaciano”) imaginada por Laplace é a ficção de um cientista sobre-humano que teria capacidades ilimitadas para a solução de problemas científicos e para a predição de quaisquer eventos que fossem regidos pelas leis newtonianas (certamente por leis mais avançadas do que imaginou Laplace, pois os eventos também possuem propriedades químicas, térmicas, eletromagnéticas etc.). Bastaria que o demônio conhecesse com precisão suficiente as posições e as forças que atuam sobre os corpos materiais e a partir das equações da mecânica clássica poderia então calcular com a precisão que desejasse o estado mecânico passado ou futuro de tais corpos. Laplace faz com que o determinismo se torne realizável nos domínios da ciência, independentemente da crença metafísica no determinismo. Embora os cientistas humanos sempre se deparem com imperfeições na identificação das condições iniciais relevantes para levar adiante uma tarefa específica de predição, com o demônio laplaciano o grau de precisão das condições iniciais pode ser constantemente aumentado, não havendo impossibilidades de princípio com respeito ao melhoramento das medições e dos cálculos. Mesmo que se depare com um problema que possa parecer insolúvel, ainda assim o demônio imaginado por Laplace pode chegar a soluções cada vez mais próximas de um resultado satisfatório. Para Popper (1992c,p.48-9), o interessante na perspectiva de Laplace é a suposição de que o demônio deva operar com condições iniciais e com teorias, tal como um cientista humano. O demônio laplaciano não é uma ficção extremamente vaga, mas um cientista idealizado que trabalha de acordo com os métodos humanos de se fazer ciência. Por conseguinte, para ser bem-sucedido em uma particular tarefa de predição, o habilidoso cientista laplaciano deve ter à disposição certas teorias deterministas fundamentais. Isto nos conduz à questão de esclarecer o sentido no qual uma teoria é considerada determinista.

Uma teoria é considerada determinista, de acordo com Nagel, quando “a análise de sua estrutura interna revela que o estado teórico de um sistema em um instante determina logicamente um estado único deste sistema em qualquer outro instante” (Nagel, 1978, p. 265). Em outras palavras, uma teoria é determinista se nos permite realizar predições precisas a respeito do estado teórico (a descrição das coordenadas espaço-temporais exigida pela teoria) de um certo objeto ou sistema de objetos para qualquer instante estipulado. A descrição do estado teórico é considerada completa se contém toda a informação relevante (magnitudes e propriedades físicas, tais como a posição, a velocidade, a massa, etc.) acerca do objeto ou do sistema de objetos. Assim, a partir de um estado teórico e de um instante preciso, uma teoria é considerada determinista se, para qualquer outro instante, ela nos permite deduzir um estado teórico específico.

O exemplo ordinariamente reconhecido de teoria determinista é a mecânica newtoniana. Segundo Nagel (1978, p.259 e ss), a mecânica clássica é formalizada em um sistema de equações que nos permite deduzir a variação no tempo de certos estados físicos a partir de outros estados específicos. Na dinâmica newtoniana, o estado mecânico, por exemplo, de certas partículas, é constituído pelas coordenadas de posição e quantidade de movimento em um determinado instante. As diversas variações que o estado mecânico das partículas podem apresentar são denominadas variáveis de estado. Além das variáveis de estado, as equações do movimento de Newton contêm uma função denominada função força. Quando é fornecida a função força em um instante inicial, assim como as posições e velocidades iniciais, as equações determinam um estado específico do sistema físico em questão para qualquer outro instante. Esta peculiaridade faz da dinâmica newtoniana uma teoria determinista.

Porém, adverte Nagel (1978, p.262) a teoria newtoniana é determinista apenas com relação às propriedades mecânicas dos sistemas físicos; ela não nos permite predizer variações de estado de natureza diferente (químicas e elétricas, entre outras). Além disso, o determinismo da mecânica clássica tem relação somente com os estados teóricos de um sistema físico, pois utiliza conceitos ideais, tais como a posição e a velocidade instantâneas. Isso não significa que as variáveis de estado são obtidas por medição real. Afinal, as medições experimentais não são quantidades instantâneas, mas médias estatísticas efetuadas em um período de tempo; são, no máximo, aproximações do estado teórico. Assim sendo, para Nagel (1978, p.264-5), deve ser separada a questão da estrutura lógica da teoria da questão empírica a respeito da adequação das predições com a experiência. É correto afirmar que a mecânica clássica é determinista devido à dependência lógica interna de seus elementos, mas é incorreto afirmar que a mesma é indeterminista em função da discrepância daquilo que é medido com relação ao que é predito.

A definição formal apresentada por Popper do que vem a ser uma teoria determinista apresenta poucas variações em relação à definição de Nagel. No entanto, Popper não está preocupado apenas com o sentido lógico e matemático no qual poderse-ia considerar uma teoria determinista, mas também com a questão epistemológica vinculada ao problema. Pois a questão central que ocupa Popper é a possibilidade de tal teoria, no caso de ser bem-sucedida, servir de apoio empírico ao determinismo científico. Para ele, uma teoria é prima facie determinista “(...) se e só se nos permitir deduzir, a partir de uma descrição matematicamente exata do estado inicial de um sistema físico fechado que é descrito em termos da teoria, a descrição, com qualquer grau de precisão finito estipulado, do estado do sistema em qualquer dado instante futuro do tempo.” (Popper, 1992c, p.49). A definição acima conserva as características lógicas delineadas por Nagel. No entanto, Popper acrescenta que o sistema físico levado em conta por uma teoria determinista é um sistema fechado (cf. seção 3.2), isto é, um sistema onde nenhum objeto pode interagir a partir do seu exterior, pois de outra forma, esse sistema sofreria interferências não desprezíveis, o que acarretaria a possibilidade de predições cada vez mais precárias. Além disso, Popper fala de uma versão finita do determinismo: o grau de precisão das condições iniciais necessárias para efetuar predições não é infinitamente computável. Os próprios métodos de cálculo podem apresentar limitações, mas além disso, também há o problema experimental concernente ao fato de que o aparato de medição utilizado para realizar a leitura do estado do sistema pode provocar a mencionada interferência externa. O determinista procura passar por alto destas dificuldades. Contudo, Popper (1992c, p.49) está disposto a conceder que sua definição de teoria determinista não exija predições com absoluta precisão matemática (embora supõe condições iniciais exatas), como também sugere enfraquecêla, limitando os sistemas a serem investigados aos sistemas físicos que não sejam demasiadamente complexos. Se Popper exigisse uma definição mais rigorosa da mencionada teoria, uma teoria física, tal como a física newtoniana, trivialmente seria considerada indeterminista....”

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Fonte:
WILLIAN RODRIGO STUBERT: EXPLICAÇÃO CAUSAL E INDETERMINISMO NA FILOSOFIA DE KARL POPPER”. (Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre do Curso de Mestrado em Filosofia do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Salles de Oliveira Barra). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007.

Nota:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Nível de escolaridade dos wikipedistas

"A grande maioria dos wikipedistas entrevistados é do sexo masculino (92,30%), sendo somente duas wikipedistas do sexo feminino. Os editores da enciclopédia lusófona são jovens. A faixa etária varia de 14 anos a 57 anos de idade, com uma média de 28 anos. Em relação ao nível de escolaridade, 50% dos 26 entrevistados possuem formação acadêmica em nível de graduação nas áreas de matemática, física, ciências da computação, engenharia, direito, farmácia, biologia e letras. Dentro dessa categoria, dois wikipedistas têm mestrado completo. Outros 30,77% dos entrevistados são estudantes de graduação, principalmente das áreas de administração, direito e geografia. Apenas uma minoria dos wikipedistas, totalizando 19,23%, têm o nível médio completo ou em fase de conclusão."

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Fonte:
Telma Sueli Pinto Johnson: “Nos bastidores da Wikipédia lusófona: Percalços e conquistas de um projeto de escrita coletiva online”. (Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Comunicação. Orientadora: Profª Drª Maria Beatriz Almeida Sathler Bretas). Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, 2009.

A “evolução das almas “ e a “evolução das espécies”

“Devemos ressaltar o fato de que a doutrina espírita desde Kardec tinha como princípio o fato de terem, além do caráter filosófico e religioso, a cientificidade, através da observação e empirismo (experimentação). Uma das idéias fortes do espiritismo é de que a doutrina é complementar à ciência vigente, ou seja, a de meados do século XIX, quando houve a publicação das obras de Allan Kardec.

Um dos exemplos interessantes sobre a incorporação de preceitos oriundos de teorias científicas em voga em uma determinada época pelo kardecismo é acerca da questão da evolução das almas e das espécies, que foi baseada na teoria da evolução de Charles Darwin. Kardec teve contato com as idéias deste cientista após a publicação de “O Livro dos Espíritos” (1857), já que a obra que consolida o novo paradigma científico da época, “A Origem das Espécies”, é de 1859. A visão darwinista foi incorporada no livro de Kardec “A Gênese”, de 1868, atualizando pressupostos da doutrina espírita acerca da origem do homem.

Porém, antes mesmo de ter contato com o novo paradigma de Charles Darwin sobre evolução, Kardec apresentava idéias sobre progresso espiritual. Em “O Livro dos Espíritos”, afirma que a alma humana reencarnava sucessivas vezes para se aprimorar e progredir. Tal progresso espiritual se efetuava através de uma longa cadeia de existências encarnadas, provas e sofrimentos que contribuíam para a evolução moral do ser humano. Desta maneira, dentro da concepção evolutiva e progressiva apresentada pela doutrina espírita, os ciclos sucessivos de reencarnação permitiriam o aprimoramento da alma para chegar às formas espirituais superiores e puras, cumprindo missões cada vez mais adequadas, até alcançar estágios superiores da espiritualidade. Segundo Sandra Stoll, haveria uma tensão entre duas forças, as quais definiriam a concepção espírita de evolução: por um lado, o processo de evolução como uma lei, que remeteria à formulação das ciências naturais e, por outro, coloca também a sujeição do funcionamento do processo da evolução ao exercício do livre-arbítrio do homem.

Como vimos, “O livro dos espíritos” (1857) é publicado dois anos antes do livro de Darwin, “A origem das espécies” (1859), que consolida o paradigma evolucionista que passa a predominar a partir de meados do século XIX. Nesta obra, Kardec reproduz a visão científica dominante à época, que é a poligenia e, portanto, “neste primeiro livro de Allan Kardec, a idéia de uma origem comum a todas as raças humanas, tese difundida pelos monogenistas, não se coloca”. A publicação do livro de Darwin dilui os debates: postula a unidade da espécie e a origem comum de todas as raças humanas. Estas idéias tiveram impacto no Espiritismo, havendo algumas mudanças na postura de Allan Kardec sobre o tema.

Na obra “A Gênese” (1968), Kardec atualiza pressupostos da doutrina espírita em decorrência da incorporação de idéias que traduziam o pensamento das nascentes correntes que vinham conquistando hegemonia no campo científico. Nesta obra, descarta a idéia de Criação, porém não endossa todos os postulados das novas teorias evolucionistas, sendoreticente com relação à questão da origem das raças humanas. O que Kardec sustenta é uma combinação de idéias que se sedimentam em versões concorrentes do evolucionismo: 1) defende a tese corrente entre os monogenistas de que a humanidade teria uma origem única (a princípio divina, depois natural); 2) mantém o argumento dos poligenistas quanto à pluralidade de origem das raças que conformam o gênero humano”.

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Fonte:
Roberta Müller Scafuto Scoton: “ESPÍRITAS ENLOUQUECEM OU ESPÍRITOS CURAM? UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES, CONFLITOS, DEBATES E DIÁLOGOS ENTRE MÉDICOS E KARDECISTAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX - JUIZ DE FORA-MG”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência da Religião. Orientador: Prof. Dr. Francisco Luiz Pereira da Silva Neto). Juiz de Fora, 2007.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
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Herbert Spencer sob influência de Adam Smith e Thomas Malthus

“Como já fora comentado, a influência do pensamento econômico clássico sobre a obra de Spencer é bem conhecida. Spencer nutria grande admiração por Adam Smith (1723-1790), o autor de A Riqueza das Nações (1776), e a sua maior contribuição para o sistema spenceriano foi certamente o desenvolvimento do princípio da divisão do trabalho11. Da mesma forma, a leitura do Ensaio sobre o Princípio da População (1798), de Thomas Robert Malthus (1766-1834), levou Spencer a dedicar grande atenção ao assunto. Malthus, neste texto, revela a discrepância entre o crescimento demográfico e a otimização da produção de alimentos.

A população, quando não obstaculizada, aumenta a uma razão geométrica. Os meios de subsistência aumentam apenas a uma razão aritmética. Uma ligeira familiaridade com números mostrará a imensidade da primeira em relação à segunda (Malthus, 1798, p.57).

E generalizando:

Pelos reinos animal e vegetal a natureza tem espalhado amplamente as sementes da vida com a mais profusa e pródiga mão. Ela tem sido comparativamente mais frugal em relação ao espaço e à nutrição para fazê-las crescer. Os germes da existência contidos neste ponto da terra, com farta alimentação e com amplo espaço para se expandir, preencheriam milhões de mundos no decorrer de uns poucos milhares de anos (Malthus, 1798, p. 57).

Dessa forma, Malthus conclui inevitavelmente:

A raça das plantas e a raça dos animais encolhem sob esta grande lei restritiva. E a raça do homem não pode, por nenhum esforço da razão, escapar dela. Entre as plantas e os animais seus efeitos são desperdícios de sementes, doenças e morte prematura. Entre a humanidade, a miséria e o vício (Malthus, 1798, p. 57).

Spencer, em seu artigo “A Theory of Population, deduced from the General Law of Animal Fertility” (1852a), estabelece um contorno interessante para a relação entre fertilidade e evolução, assim como trabalha com o conceito de demanda sobre funções. Neste artigo sugere a existência de um controle de natalidade natural, através de um comportamento sexual cada vez menos promíscuo, de acordo com o de desenvolvimento humano, existência a qual Malthus não considerava como intrínseca ao desenvolvimento intelectual. No entender de Malthus (1789), o homem moderno se entrega ao sexo com a mesma freqüência que no passado. Porém, Spencer fazia ressalvas:

E aqui se deve registrar, que o efeito da pressão da população no aumento da habilidade de manter a vida, e a redução da habilidade de multiplicar, não é um efeito uniforme, mas relativo (Spencer, 1852, p. 499).

O vigoroso ensaio de Malthus parte, segundo ele mesmo, de um argumento desenvolvido por Hume e aprofundado por Adam Smith (Malthus, 1798, p. 55). Isso se deu em resposta à perspectiva otimista sustentada por William Godwin (1756-1836) e pelo marquês de Condorcet (1743-1794), e Malthus não admitia a existência de um equilíbrio natural entre produção e população. Assim, Malthus desiludia os homens tanto no tocante a uma providência divina quanto na crença de que a humanidade conquistaria o bem-estar naturalmente. Mesmo não crendo no maravilhoso mundo do progresso que vislumbravam os iluministas e os herdeiros da revolução francesa, Malthus estruturou um dos pilares do conceito de seleção natural. Através de uma relação matemática, Malthus sustenta o princípio do crescimento desigual entre população e produção de gêneros alimentícios, o primeiro em uma progressão geométrica e o segundo em uma progressão aritmética. Disso, conclui-se que existe uma pressão exercida pelo crescimento das populações, e como conseqüência, segue-se uma competição acirrada pela sobrevivência,ocasionada principalmente pela disputa do alimento cada vez mais escasso.

Spencer aceita perfeitamente o princípio da população de Malthus, assim como sua prova matemática da discrepância entre a oferta de alimento e o crescimento demográfico. Spencer discorda de Malthus no tocante à taxa de fertilidade, defendendo que o grau de fertilidade é inversamente proporcional ao incremento das funções mentais. Dessa forma, sustentando que a humanidade se reproduziria cada vez menos, Spencer toma o partido de Godwin e Condorcet, se afastando do pessimismo malthusiano e agrupando-se aos iluministas na questão da fertilidade.

Analisando a “luta” da classe proletária pela sobrevivência na Inglaterra do século XIX, e ainda debatendo com Malthus, Spencer conclui que:

Para fazer frente às requisições do mercado, o artesão está perpetuamente aperfeiçoando suas máquinas antigas, e inventando novas; e através do estímulo de altas remunerações incitam-se os artesãos a adquirirem maiores habilidades (Spencer, 1852, p. 499).

A pressão populacional infringida sobre os habitantes da ilha neste momento de intensa transformação industrial, no entender de Spencer, levou seus habitantes ao topo da escala evolutiva, ou o mais alto grau de correspondência. Diante destas adversidades, Spencer defendia que os ingleses acabaram por desenvolver hábitos mais disciplinados, principalmente quando comparados com os “selvagens”, dotando-se, cada vez mais, de um poderoso autocontrole, como também de uma dedicação especial às laboriosas responsabilidades do dia-a-dia, em um ambiente, que por sua vez, possuía recursos cada dia mais escassos.

E admitindo isto, não se pode negar que uma posterior continuidade de tal disciplina, possivelmente sob uma forma ainda mais intensa, deve produzir um conseqüente progresso na mesma direção – um conseqüente crescimento dos centros nervosos, e um posterior declínio na fertilidade (Spencer, 1852a, p. 499).

O artigo ainda fornece outros indícios desta conexão do seu pensamento evolucionista com certos conceitos oriundos da economia clássica, aqui especialmente, a teoria da população. Fato relevante ser o artigo do ano de 1852, sete anos antes da publicação de A Origem das Espécies.

Toda a humanidade se torna sujeita, mais ou menos, à conduta disciplinar descrita; eles podem ou não avançar sob ela; mas na natureza das coisas, somente aqueles que avançam sob ela eventualmente sobrevivem. Pois, necessariamente, famílias e raças nas quais esta crescente dificuldade de obter seu sustento que o excesso de fertilidade promove, não estimulam o incremento na produção – ou seja, um desenvolvimento em sua atividade mental – estão na via expressa da extinção; e devem finalmente ser suplantados por aqueles que por tal pressão [populacional] são estimulados (Spencer, 1852a, p. 499-500).

O que esperamos ter explicitado aqui é a dívida do sistema spenceriano, e talvez, de outros naturalistas, entre eles Charles Darwin, para com os teóricos da Economia Clássica. Esta dívida se constrói a partir da incorporação conceitual do princípio da população de Malthus e do conceito de divisão do trabalho desenvolvido por Adam Smith. Darwin, inclusive, se vale do princípio malthusiano explicitamente em A Origem das Espécies.

Esta é a doutrina de Malthus, aplicada aos reinos animais e vegetais inteiros. Como nascem muito mais indivíduos de cada espécie, do que podem possivelmente sobreviver; e como conseqüentemente há uma luta pela existência freqüentemente
recorrente, segue-se que qualquer ser, se ele varia mesmo que minimamente de qualquer modo que lhe seja favorável, sob as complexas e em alguns casos, cambiantes condições de vida,terá uma melhor chance de sobreviver, e assim ser naturalmente selecionado (Darwin, 1872, p. 4).”

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Fonte:
Daniel Cerqueira Baiardi: "Conhecimento, Evolução e Complexidade na Filosofia Sintética de Herbert Spencer". (Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Filosofia sob a orientação do Prof.Dr. Osvaldo Pessoa Jr.). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2008.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.