Darwin por ele mesmo – I

Acabei de ler uma seleta das cartas de Charles Darwin, do período que vai de 1825 a 1859, editadas por Frederick Burkhardt, prefaciadas por Stephen Jay Gould e publicada em Língua Portuguesa pela Editora Unesp. A partir de agora buscarei entender Darwin por ele mesmo, destacando os pontos que tomei como os mais relevantes nessa série de correspondências, confrontando-os com outros pontos extraídos de suas principais obras, os quais, por sua vez, confirmam o teor das epístolas.

Embora seja pura ilusão acreditar que as cartas falem tudo com exatidão, o certo é que, o pouco que elas dizem ao menos nos faz vislumbrar em centelha de luz. E para começar, as razões que conduziram Darwin à destacar a Seleção Natural como máximo princípio das mudanças evolutivas.

Em carta à Wallace, de 6 de abril de 1859:
Tendes razão {em presumir} que cheguei à conclusão de que a Seleção era o princípio da mudança a partir do estudo das populações domésticas; & depois, ao fazer a leitura de Malthus, vi imediatamente como aplicar esse princípio. – A Distribuição Geográfica & as relações Geológicas entre os habitantes extintos da América do S. Foram as primeiras a me conduzir a esse assunto. Especialmente o caso das Ilhas Galápagos” (p. 292).

Síntese:
1. Seleção Natural como o primordial fator do “princípio da mudança”: "
Estou plenamente convencido que as espécies não são imutáveis; estou convencido que as espécies que pertencem ao que chamamos o mesmo gênero derivam diretamente de qualquer outra espécie ordinariamente distinta, do mesmo modo que as variedades reconhecidas de uma espécie, seja qual for, derivam diretamente desta espécie; estou convencido, enfim, que a seleção natural tem desempenhado o principal papel na modificação das espécies” (p. 18).

2. Mudanças observadas a partir do estudo das populações domésticas, ou seja, mediante a seleção artificial: "Fiz mesmo um grande número de experiências provando, de acordo com a opinião quase universal dos tratadores, que, nos animais e nas plantas, um cruzamento entre variedades diferentes ou entre indivíduos da mesma variedade, mas de uma outra casta, torna a posteridade que nasce mais vigorosa e mais fecunda; e que, por outra parte, as reproduções entre próximos parentes diminuem este vigor e esta fecundidade” (p. 111).

3. Utilização do “Ensaio sobre o Princípio da População” de Malthus, de onde encontrou respaldo para aplicar na natureza o lema “sobrevivência do mais apto”: "A luta pela existência resulta inevitavelmente da rapidez com que todos os seres organizados tendem a multiplicar-se. Todo o indivíduo que, durante o termo natural da vida, produz muitos ovos ou muitas sementes, deve ser destruído em qualquer período da sua existência, ou durante uma estação qualquer, porque, de outro modo, dando-se o princípio do aumento geométrico, o número dos seus descendentes tornar-se-ia tão considerável, que nenhum país os poderia alimentar. Também, como nascem mais indivíduos que os que podem viver, deve existir, em cada caso, luta pela existência, quer com outro indivíduo da mesma espécie, quer com indivíduos de espécies diferentes, quer com as condições físicas da vida. É a doutrina de Malthus aplicada com a mais considerável intensidade a todo o reino animal e vegetal, porque não há nem produção artificial de alimentação, nem restrição ao casamento pela prudência. Posto que algumas espécies se multiplicam hoje mais ou menos rapidamente, não pode ser o mesmo para todas, porque a terra não as poderia comportar" (p. 78).

4. Conclusões extrapoladas a partir de fenômenos observados nas ilhas Galápagos: "Se bem que, nas ilhas oceânicas, as espécies sejam pouco numerosas, a proporção das espécies endêmicas, isto é, as que se não encontram noutra parte do Globo, é muitas vezes muito grande. Pode estabelecer-se a verdade desta asserção comparando, por exemplo, a relação entre a superfície dos terrenos e o número de conchas terrestres especiais à ilha da Madeira, ou o número das aves endêmicas do arquipélago Galápagos com o número das que habitam um continente qualquer. De resto, este fato podia ser teoricamente previsto, porque, como já temos explicado, espécies vindo de longe a longe para um distrito isolado e novo, e tendo de entrar em luta com novos concorrentes, devem estar grandemente sujeitas a modificar-se e devem muitas vezes produzir grupos de descendentes modificados" (p. 453).

É isso!

Referência Bibliográfica:
1. "As Cartas de Charles Darwin: uma seleta, 1825-1859". Tradução: Vera Ribeiro. Editadas por Frederick Burkhardt. Editora Unesp. São Paulo, 1998.
2. "A Origem das Espécies". Charles Darwin. Lello & Irmão. Porto, 2003.

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