Seleção Natural: significado e significante

Segundo Ferdinand de Saussure, o pai da lingüística moderna, um signo lingüístico é composto de significante + significado. Diz ele: “O que o signo lingüístico une não é uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica” (Saussure, 1972).

A imagem acústica não é o som material, ou seja, a coisa meramente física, mas o seu correlato psíquico, isto é, aquilo que transmite um conceito ou uma idéia. Para ele, uma coisa necessariamente liga-se à outra. O signo seria, por esta definição, o conjunto:
conceito + imagem acústica vinculada. O conceito, portanto, seria o significado, e a imagem acústica o significante. O significado de “boi”, por exemplo, dependendo da língua, possui diferentes significantes. Ele não é igual aqui e na Índia.

Mas, afinal, o que esta história de signo lingüístico tem que ver com a
Seleção Natural de Darwin e Wallace?

Bom. A expressão Seleção
Natural, como é sabido, foi formulada para explicar certos fenômenos ocorridos na natureza entre os seres vivos. Grosso Modo, as mudanças porque as espécies passaram ao longo do tempo: “Devido a esta luta, as variações, por mais fracas que sejam e seja qual for a causa de onde provenham, tendem a preservar os indivíduos de uma espécie e transmitem-se ordinariamente à descendência logo que sejam úteis a esses indivíduos nas suas relações infinitamente complexas com os outros seres organizados e com as condições físicas da vida. Os descendentes terão, por si mesmo, em virtude deste fato, maior probabilidade em persistir; porque, dos indivíduos de uma espécie nascidos periodicamente, um pequeno número pode sobreviver. Dei a este princípio, em virtude do qual uma variação,por insignificante que seja, se conserva e se perpetua, se for útil, o nome de seleção natural, para indicar as relações desta seleção com a que o homem pode operar. Mas a expressão que M. Herbert Spencer emprega: «a persistência do mais apto», é mais exata e algumas vezes mais cômoda ("A Origem das Espécies", p. 76, edição brasileira).

Vamos agora colocar “ordem na casa”:
1 - Os seres vivos mudam ao longo do tempo. Isso é um fato incontestável;
2 – Se Darwin e Wallace não tivessem imaginado a expressão Seleção Natural os seres vivos continuariam mudando da mesma forma. Isso também é um fato incontestável.

Ordem posta, vejamos...

A expressão Seleção
Natural, portanto, nada mais é do que um simples significante, em que, a partir de uma imagem criou-se um conceito, isto é, um significado. Se em vez da expressão Seleção Natural e se no lugar de Charles Darwin e Alfred Wallace um Zé da Silva qualquer tivesse empregado outra expressão para se referir a estas mudanças, o significado não mudaria em nada, mas mudaria a imagem acústica. Por exemplo, se no lugar de Seleção Natural o nosso Zé da Silva usasse em substituição o termo “metamorfose”, o significante certamente sofreria algum tipo de mudança.

Um índio, por exemplo, sabe que a natureza muda, no entanto, ele não tem a mínima noção do que seja Seleção Natural. Todavia, se se começasse a divulgar em sua língua que tais mudanças deveriam ser chamadas de “beno-beno”, com o passar do tempo a imagem acústica seria assimilada segundo o que se queria denotar com o uso de tal termo. Agora, se se atrelasse a esta expressão “beno-beno”, além do significado de mudança física, o sentido de “mudança espiritual”, a imagem acústica, isto é, o significante, no decorrer do tempo também mudaria. E, se ainda se desse a esta fictícia expressão, além dos significados de mudança física e mudança espiritual, outro significado qualquer, a imagem acústica, ou seja, o significante, continuaria mudando “gradualmente” de acordo com o que se queira dizer com ele.

Assim se deu com a expressão Seleção
Natural. Muito mais do que expressar a simples mudança física ocorrida nos seres vivos ao longo do tempo, foi atrelada a ela outro significante além daquele referente e essas mudanças. Tais significantes variam muito dependendo, inclusive, da postura filosófica de cada um daquelas que nela acredita. Um evolucionista teísta, por exemplo, não vê a Seleção Natural da mesma forma que um evolucionista ateísta. De algum modo o teísta vai, ainda que latentemente, empurrar Deus em algum lugar e em algum momento no suposto processo evolucionário, em que a Seleção Natural fora determinante. O criacionista, por sua vez, não duvida que exista Seleção Natural, mas a imagem acústica que tem dela é bem distinta daquela nutrida pelo evolucionista teísta e pelo evolucionista ateísta e assim por diante...

Para a natureza, portanto, a expressão Seleção Natural
é rótulo neutro. Em outras palavras, não tem valor algum. Se em vez de Seleção Natural, Darwin ou Wallace chamasse seus conceitos de “bala de estalo”, “amplo horizonte”, “tutti-frutti”, “tico-tico” etc., os darwinistas defenderiam tal conceito da mesma forma como defendem, hoje, o emprego da expressão “Seleção Natural”, uma vez que tal expressão, seria, neste jargão específico, consagrada com o mesmo sentido.

Sintetizando: a expressão “Seleção Natural”, muito mais do que indicar as mudanças entre os seres vivos, carrega em si um grande emaranhado de posições ideológicas, tendo como pano de fundo o naturalismo filosófico.

É isso!

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